A blogueira Silvia Pilz coloca como crédito em seu blog que uma de suas competências é dizer o que pensa. E do alto da tão arvorada e defendida – com toda razão, e assim deve ser – liberdade de expressão ou do direito de se dizer o que pensa, doa em quem doer, ou haja o que houver, é que ela passa a desvelar as características do que ela chama de “novo pobre”.
Por Mônica Francisco, do Jornal do Brasil
Chamo a atenção de meus leitores e leitoras de que, embora despretensiosa nossa coluna, não podemos fechar os olhos para um certo pensamento mais à direita e extremo na forma e no trato entre os grupos, em sociedades multiculturais. Há um perigo rondando o mundo.
Já disse aqui, comentando o ocorrido ao pasquim Charlie Hebdo, agora conhecido de quase todos nós, que a liberdade de se dizer o que pensa ou o que quer deve pelo menos vir acompanhada de uma boa dose de bom senso. Não podemos agir nestes dias como se nada estivesse acontecendo. Há uma nova ordem mundial e isso está mais do que claro.
Dizer o que se pensa é para quem está disposto ou disposta a pagar pra ver, seja qual for o preço. Mas neste resquício de humanidade que ainda nos resta, não deixemos que a total falta ou ausência de respeito ao outro nos domine. Por isso eu penso, ainda, nas aulas de Ciências. Vimos à exaustão que somos seres racionais, ou seja, há uma série de mecanismos de elaboração do pensamento que antecedem os atos e as palavras.
Em seu artigo “O Plano Cobre”, Silvia demonstra a falta de respeito e de educação, aliada à mais uma demonstração de racismo, preconceito de classe e xenofobia, e faz coro com outras manifestações de pensamento reacionário que se manifesta em grande parte da sociedade brasileira.
É muito doloroso perceber que o Brasil, plural como é, mesmo que ainda completamente branco na representação de si mesmo, começa a resistir ao escamoteamento planejado pela elite desde priscas eras. É doloroso à elite, ainda que falida, ou ressentida, ter ao lado de suas crias nos bancos das universidades os filhos da gente que povoa o Brasil real.
Não há motivo para vociferar contra viúvas de um país que nós, negros, pardos, não brancos, cotistas, prounistas, enemistas, sim, (só um parêntesis: reclamam tanto e gastam os tubos nos cursinhos para os seus filhos bem nascidos passarem no Enem, mas deixa quieto, é para todos, embora queiram que seja só pra eles).
Como disse, não devemos vociferar contra estas manifestações reacionárias, mas expô-las, mostrar como são corajosas ao defender o pensamento do grupo que pertencem. São corajosas ao elegerem quem nos mata, ao apoiarem quem nos extermina. Obrigada a uma turma de blogueiros, colunistas, âncoras, articulistas, socialites falidas, com sobrenomes oriundos de continentes colonizadores, que exterminaram um sem número de povos e escravizaram outros.
De fato, quem sai aos seus não degenera. São essas pessoas que elegem os que criam leis contra bonés, apoiam a redução da maioridade penal, ou seja, que apoiam que crianças, sim crianças, negras, pobres, moradoras de periferia sejam encarceradas. Isso porque sabem que seus filhos brancos e tipos ideais do Brasil no qual elas vivem e circulam (pra quem não sabe, loiros, olhos claros e brancos) nunca serão molestados com seus bonés grifados e nunca serão presos com a rede de proteção da qual são cercadas, não é mesmo?
É essa gente que do alto de sua toga apoia magistrados que se acham deuses e pervertem o direito, humilhando as pessoas mais simples. É por isso que precisamos de uma revolução neste país de miseráveis. Sim, miseráveis de espírito, miseráveis de caráter, que são coniventes com as humilhações, os assassinatos do qual nós somos alvo todos os dias nas periferias dos nossos estados.
Obrigada por incentivarem o apartheid, a segregação, a contenção da circulação de nossos jovens e nossas crianças na cidade. Já sabemos que, para vocês, nosso direito à cidade só é permitido no horário comercial, e de preferência servindo à turma de vocês.
Não entendo como pessoas tão superiores ainda insistem em viver aqui, podendo viver em qualquer lugar do mundo. Ah, esqueci: a Europa está em crise. Ah! Lembrei: lá você não é branco, é latino. Ah, você e o Lobão acharam melhor ficar por aqui mesmo.
Obrigada por mostrarem o que pensam seus pares. Isso nos dá muitas estratégias de resistência. Isso é ótimo, porque sabemos exatamente como pensam nossos inimigos. E por favor, quem disse a vocês que o brasileiro é cordial e pacífico, sinto muito, mentiu.
A cordialidade é só até não atravessarmos o túnel. O que fariam se começássemos a cobrar para a turma do outro lado do túnel entrar em nossas favelas?
Mais uma vez, agradeço ao Jornal do Brasil pela coragem de ir na contramão e abrir sua redação aos colunistas que vivem nas favelas do Rio de Janeiro. Isso é liberdade de expressão. Melhor, isso é ousadia ou coragem, diriam outros.
Até a próxima!
“A nossa luta é todo dia. Favela é cidade. Não aos Autos de Resistência, à GENTRIFICAÇÃO e ao RACISMO, ao RACISMO INSTITUCIONAL, ao VOTO OBRIGATÓRIO e à REMOÇÃO!”
*Membro da Rede de Instituições do Borel, Coordenadora do Grupo Arteiras e Consultora na ONG ASPLANDE.(Twitter/@ MncaSFrancisco)