Por Luiz Paulo Lima
Segundo recentes pesquisas e indicadores socioeconômicos, nossas comunidades enfrentam dificuldades de toda a ordem por conta das grandes desigualdades sociais no Brasil. No entanto, parte significativa desses levantamentos aponta que, na origem dos problemas, está a condição racial.
Embora se trate de problemas sistêmicos, houve avanços importantes. Nas pesquisas do IBGE, verificou-se que nos últimos dez anos o aumento do número de indivíduos que se autodeclararam como negros foi significativa na sociedade como um todo e dentre os alunos matriculados no ensino superior.
Como resultado, houve, assim, o aumento percentual de negros em quase todas as carreiras universitárias. Ao mesmo tempo as distâncias que separam negros e brancos no país no tocante a renda per capita também diminuíram.
No setor empresarial as pesquisas se repetem, acentuando os números de “empreendedores” afro-brasileiros que permanecem no mercado do trabalho informal, devido a falta de oportunidades no mercado formal, tanto nos setores públicos como privados.
A Feira Preta, através do Instituto responsável por sua gestão, tem nos últimos 12 anos demonstrado que é possível reduzir esses índices, quando se apresentam, no seu modelo de negócios, “cases” de boas práticas de desenvolvimento sustentáveis, capacitação profissional dos expositores (micro e pequenos empresários) e parcerias com os diversos setores público-privados.
A Feira Preta 2013 contou com a presença de prestigiosos profissionais estrangeiros. McGhee Osse, presidente da Burrell Comunications Group, a maior agência de comunicações e publicidade voltada para afro-americanos, esteve presente em São Paulo, onde proferiu palestras, seminários e debates durante a Feira Preta, graças ao apoio do Consulado Geral dos EUA da capital. Em entrevista exclusiva para a Rede Kultafro, a executiva norte-americana dá a chave do sucesso e ilustra a importância do empreendedorismo negro:
Kultafro – Quem é McGuee Osse? Onde começou a história dessa mulher que construiu uma carreira de sucesso nos EUA?
McGhee – Nasci em Columbus no estado da Georgia-EUA. Fui a terceira filha tardia, vivi por muito tempo na condição de filha única, pois meus irmãos saíram de casa muito cedo.
Embora meus pais não tenham formação superior, eu me formei em publicidade na Spellman University [uma das grandes universidades negras dos EUA], meu irmão em medicina e minha outra irmã professora. Meus pais queriam mesmo que eu fosse advogada.
Kultafro – Como se deu a escolha pela publicidade na sua vida ?
McGhee – O que me despertou a atenção pela publicidade foi quando, ainda criança, eu acompanhava e adorava a série para a televisão chamada “Bewitched” [ no Brasil “A Feiticeira”). Gostava do papel do ator principal Derrin Stevens, o marido da feiticeira e dono de uma agência de publicidade.
Kultafro- Seus pais entenderam a sua escolha profissional?
McGhee – Até meus pais morrerem não entenderam bem o que eu fazia. Era comum me perguntarem: Você desenha? Você escreve? Faz parte? E eu respondia que não. Faço gestão e criação. Até que finalmente eles desistiram de entender o que eu fazia. Eu morava com eles e não precisava do dinheiro deles. Então perceberam que eu estava muito bem.
Kultafro – Onde começou a sua carreira profissional?
McGhee – Trabalhei na Siers Roebuck and Company, fazia publicidade da linha branca para jornais. Depois trabalhei na Rede KFC ( Kentucky Fried Chicken) de restaurantes e depois fui para a Rede General Mills, uma das 10 maiores empresas de alimentos do mundo.
Kultafro- Você fala em fé a todo momento. O que isso representa na sua vida?
McGhee – Sou casada com um Haitiano, um executivo aposentado do mercado financeiro, por conta do terremoto acontecido no Haiti. Organizei várias missões para ajuda naquele país. Faço caridade desde sempre. Eu e meu marido fazemos parte de vários conselhos de ajuda humanitária.
Kultafro- Você é muito religiosa?
McGhee– Sim, sou muito religiosa. Tenho muita fé. Fui abençoada por ter muita fé. Se não fosse a minha fé, não seria a pessoa que sou hoje.
Kultafro- Posso afirmar que existe uma competência religiosa em você, que ecoa na sua vida privada e pública ?
McGhee – O importante não é o que eu faço. O importante é como eu vivo e compartilho as minhas vivências. A minha fé me levou muito longe. Eu me sinto naturalmente obrigada a ajudar o outro. Mas isso nasce da fé. Uma mensagem de Deus.
Kultafro – E quando começou a trabalhar na Burrel Comunications Group ?
McGhee – A minha história na Burrel começa em Atlanta como gerente de contas em 1986. Trabalhei muito tempo, dias longos e a minha compensação foi chegar ao posto máximo de Atlanta.
Kultafro- Quem foram as suas referências profissionais nesta empresa?
McGhee – Eu tive mentores muito importantes, que acreditaram na minha capacidade profissional. O primeiro chamava-se Bill Shaarp, que me contratou. Infelizmente ele faleceu em agosto desse ano. Era primo do Burrel. Ele foi muito importante. Foi o primeiro negro a gerenciar toda a publicidade da Coca-Cola. Foi meu amigo e meu mentor. Entrou para o “Hall da Fama”, por ter ganho maior prêmio individual concedido nos EUA.
Kultafro- Outro mentor?
McGhee – A outra pessoa importante foi Sarah Burroughs que foi presidente da Agêcnai Burrel. Eu sempre segui a missão e o legado que eles me inspiraram. Tudo o que sei sobre Marketing aprendi com eles.
Kultafro – Como mulher de negócios, o que chamou a sua atenção no Brasil?
McGhee – Acho que a ascensão rápida da classe média negra é um sinal do futuro. Isso não significa que aqueles que não se enquadram aí sejam menos importantes. Eles são a maioria. Sendo classe média ou abaixo estamos conectados. Essas heranças são nossos valores, hábitos e sonhos.
Kultafro- O que a classe média de fato representa?
McGhee – A classe média é um sinal, uma indicação para onde as coisas estão indo. Como o Brasil tem uma população de mais de 100 milhões de negros, também é importante dizer que essa população representa um consumo de 600 bilhões de reais. É muito dinheiro. Esse dinheiro e esse mercado não podem ser ignorados.
Kultafro – A Burrell está no Brasil através da agência francesa Publicis Group. Depois de tudo viu e ouviu quais as perguntas e sugestões que faria a eles?
McGhee- Minha pergunta seria : a publicidade inclui realmente a totalidade da população brasileira ? e o comentário seria: não é justo para os clientes deixarem de ganhar dinheiro com a metade da população que não é reconhecida. Isso é desperdiçar oportunidades e investimentos.
Agradecimentos especiais: Ligia F.Ferreira, Maria Estela Corrêa,Leno Silva e Pakuera Kultafro
Fonte: Kultafro