Canto para Atabaque
Ei bum!
Qui bum-rum!
Qui bum-rum!
Bum! Bumba!
Ei lu!
Qui lu-lu!
Qui lu-lu!
Lumumba!
Ei Brasil!
Ei bumba meu-boi!
“Mansu, manseba,
traz a navalheta
pra fazer a barba
deste maganeta.”
Lá vem beberrão,
lá vem Bastião,
tocando bexiga
em tudo que é gente.
O engenheiro medindo,
empata-samba empatando,
cavalo-marinho
dançando, dançando.
O boi requebrando,
o boi ‘stá morrendo,
o boi levantando,,,
Ei Brasil-africano!
Minha avó era nega haussá,
ela veio foi da África,
num navio negreiro.
Meu pai veio foi da Itália,
operário imigrante.
O Brasil é mestiço,
mistura de índio, de negro, de branco.
Bum! Qui bum-rum! Qui bum-rum! Bum-bum!
Quem fez o Brasil
foi trabalho de negro,
de escravo, de escrava,
com banzo, sem banzo,
mas lá na senzala,
o filão do Brasil
veio de lá foi da África.
Ei bum!
Qui bum-rum!
Qui bum-rum!
Bum! Bumba!
Ei lu!
Qui lu-lu!
Qui lu-lu!
Lumumba!
Canto da Terra
A terra tem tudo
e plantando é que dá.
E plantaram e plantaram
ou já estava plantado.
A floresta amazônica,
o rio e os peixes
e o balacubau.
A caatinga existia
com a braúna,
o mandacaru
e o gravatá cariango.
As coxilhas do Sul,
o maciço do Atlântico,
a Serra do Mar,
os pinheiros erguidos,
o rio Amazonas,
o rio São Francisco,
o rio Paraná…
Canaviais assobiando,
cortina verde estendida
sobre imensa extensão.
E plantaram café
e cacau e borracha…
E plantaram erva-mate…
Com o escravo e o imigrante
tudo se fez.
Comidas meu santo,
a mulata, a morena…
e até a loura surgiu.
A índia já havia,
a gringa veio depois.
Quem atrapalhou
foi gente de fora
que não trabalhou.
Eu canto a terra…
Todos sabem que outra
mais garrida não há…
“Teus risonhos, lindos campos têm mais flores”…
Bom! Lírios já houve,
mas agora é que não.
Eu canto a terra,
eu canto o povo…
Cantam os poetas
e cantando vão…
Liberdade
Não ficarei tão só no campo da arte,
e, ânimo firme, sobranceiro e forte,
tudo farei por ti para exaltar-te,
serenamente, alheio à própria sorte.
Para que eu possa um dia contemplar-te
dominadora, em férvido transporte,
direi que és bela e pura em toda parte,
por maior risco em que essa audácia importe.
Queira-te eu tanto, e de tal modo em suma,
que não exista força humana alguma
que esta paixão embriagadora dome.
E que eu por ti, se torturado for,
possa feliz, indiferente à dor,
morrer sorrindo a murmurar teu nome.
São Paulo, Presídio Especial, 1939.
A Alegria do Povo
Uma grande jogada
pela ponta direita,
o balão de couro
como que preso no pé.
Um drible impossível…
Garrincha sai por uma lado,
e o adversário se estatela no chão.
Gargalhada geral,
o Maracanã estremece…
Lá vai o ponta seguindo,
os holofotes varrendo de luz o gramado,
o balão branco rolando,
seguro nos pés do endiabrado atacante.
Voa Garrincha,
invade a área contrária,
indo até à linha de fundo
para cruzar…
E as redes balançam,
no delírio do gol.
Garrincha! Garrincha!
A alegria do povo,
no balé estonteante
do futebol brasileiro.
Rondó da Liberdade
É preciso não ter medo,
é preciso ter a coragem de dizer.
Há os que têm vocação para escravo,
mas há os escravos que revoltam contra a escravidão.
Não ficar de joelhos,
que não é racional renunciar a ser livre.
Mesmo os escravos por vocação
devem ser obrigados a ser livres,
quando as algemas forem quebradas.
É preciso não ter medo,
é preciso ter a coragem de dizer.
O homem deve ser livre…
O amor é que não se detém ante nenhum obstáculo,
e pode mesmo existir até quando não se é livre.
E no entanto ele é em si mesmo
a expressão mais elevada do que houver de mais livre
em todas as gamas do humano sentimento.
É preciso não ter medo,
é preciso ter a coragem de dizer.
Capoeira
Capoeira quem te mandou,
capoeira, foi teu padrinho.
O berimbau retinindo
na corda retesa,
cadência marcada
da ginga do jogo.
Zum, zum, zum,
capoeira mata um.
A perna direita
lançada pra frente,
o peso do corpo equilibrado na esquerda,
os braços jogando
de um lado pro outro…
Capoeira quem te ensinou?
De repente uma queda,
o capoeira na terra,
o aú,
de cabeça pra baixo,
as pernas no ar,
a rasteira varrendo
como foice no chão,
o corta-capim, o rabo-de-arraia,
e o inimigo caindo
de supetão,
ao puxavante
da baianada.
Luta africana
que o mestiço encampou,
que os guerreiros da mata,
quilombos, palmares,
souberam jogar.
Que o angolano nos trouxe,
que o mestre Pastinha nos soube ensinar.
Coreografia. Jongo do povo.
Zum, zum, zum
capoeira mata um.
Poemas cedidos por Clara Charf