Por que os assexuais querem ser reconhecidos como membros da comunidade LGBTQ+

“Foi algo bem libertador, me achava esquisito e estranho, pensava que eu era a única pessoa no mundo que não ‘gostava de sexo’”, a fala é do Ariel Franz, um dos administradores da página Assexualidades e também de alguns grupos do Facebook que reúnem pessoas que se identificam com essa orientação sexual.

Por  João Vieira, do Hypeness

Imagem Retirada do site Hypeness

A ideia de tratar a assexualidade como orientação é, inclusive, defendida por muitos especialistas, uma vez que a comunidade hoje é composta por milhões de pessoas em todo mundo. Há entre os assexuais o entendimento de que o grupo é, por natureza, integrante da sociedade LGBTQ+. “Todos que não fazem parte da cis-heteronormatividade, fazem parte da comunidade LGBT+”, diz Ariel, apesar de assumir que algumas pessoas não se enxergam representadas pela comunidade. “Mas isso não quer dizer que a assexualidade não faça parte da comunidade LGBT+, porque faz”, garante.

Se até 2004, estudos como os do sexólogo canadense Anthony Bogaert relatavam que cerca de 1% da população mundial não se interessava por sexo, hoje, o Programa de Estudo da Sexualidade (ProSex), do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, só no Brasil 7,7% das mulheres e 2,5% dos homens, entre 18 e 80 anos, não se interessam por sexo.

Esse desinteresse é, historicamente, construído como transtorno psicológico ou fisiológico. A partir do começo do século 21, porém, a orientação passa a ser tratada como apenas mais uma forma de se relacionar com a sexualidade, dentro da amplitude do espectro de diversidade sexual.

A defesa da assexualidade como orientação foi feita pela pedagoga brasileira Elisabete Regina de Oliveira, autora da tese de doutorado ‘Minha Vida de Ameba’, de 2015. Em quatro anos, ela estudou a vida de 40 assexuais, entre 15 e 59 anos, e suas relações com a comunidade, o que a fez se tornar referência do tema por aqui. “A emergência de comunidades assexuais virtuais, com vários graus de mobilização em diferentes países inclusive no Brasil – tem dado visibilidade a esta categoria e contribuído para fomentar a discussão e os estudos sobre a assexualidade”, diz ela.

A criação de estudos, teses e materiais diversos sobre a comunidade assexual nos últimos anos tem sido um dos principais fatores de mudança para que pessoas que não se interessam por sexo consigam se encontrar. “Fiz algumas pesquisas no Google, li algumas matérias e fui tendo mais certeza de que de fato, havia encontrado minha orientação sexual”, explica Ariel sobre sua experiência.

Relação com afetividade

Ser assexual não necessariamente significa que as pessoas também não possuam interesse por relações afetivas. Viver uma relação saudável sem sexo não é algo presente na compreensão da sociedade, mas é possível.

Uma matéria realizada pela BBC em setembro mostrou a rotina de um casal inglês que não se relaciona sexualmente há três anos. E está muito bem com isso.

Jacob e Charlotte têm 23 anos e estão juntos há quatro. No primeiro ano, o casal até tentou se relacionar sexualmente, mas os resultados não foram bons. Desde então, eles simplesmente desistiram de tentar, embora Jacob não se considere assexual. “Estamos juntos há quatro anos, mas não fizemos sexo nos últimos três e não planejamos fazer”, disse Charlotte em um programa de TV do canal.

No caso do Ariel, a relação é outra. “Eu não sinto falta de relacionamentos afetivos, também sou uma pessoa muito reservada, então nessa área não me fez tanta diferença”, garante.

“A assexualidade é compreendida, neste trabalho, como forma de viver a sexualidade caracterizada pelo desinteresse pela prática sexual, que pode ou não ser acompanhado pelo desinteresse por relacionamentos amorosos”, explica Elisabete.

A jornalista Taline Schneider também é assexual. Ela já foi casada e se relacionou sexualmente com seu ex-marido, porém de uma forma pouco saudável. Foi quando começou a perceber sua orientação. “Sempre desconfiei e comentava com meu ex-marido que me sentia e achava que era ‘assexuada’ (hoje em dia aprendi e só uso o termo correto, assexual). Para mim era um suplício, um martírio uma vida sexual ativa, constante, periódica”, disse ela.

Taline quer ser mãe. Porém, a falta de interesse em sexo e relacionamentos afetivos, ao menos neste momento, fez com que ela criasse a Faça um Filho Comigo, uma página no Facebook que acabou virando um grupo com mais de 5 mil pessoas e ajudou a dar origem à rede social Pais Amigos, que “une pessoas que querem ter filho, planejar e conceber, sem a necessidade e obrigatoriedade de uma relação romântica, conjugal ou sexual”, segundo ela.

“Foi nesse grupo que conheci um rapaz que entrou e se apresentou como assexual e então, tudo começou a fazer sentido. Antes dele, já tinha lido dois textos e me reconhecido. Mas ele contou que participava até de grupos presenciais em São Paulo e havia namorado uma assexual. A gente acabou se relacionando por dois anos à distância com encontros periódicos que variavam entre 1 e 2 meses. E foi a partir de então, com 34 anos e meio, que saí do armário”, lembrou ela.

Disfunção ou orientação?

A ideia de classificar assexualidade como disfunção parte do princípio de que, uma vez desinteressado por sexo, o ser humano não estaria produzindo libido, o que caracterizaria um problema fisiológico. “Para classificarmos a pessoa com uma dificuldade ou com disfunção sexual, ela precisa sofrer com isso. Quando não existe interesse pelo sexo e isso não afeta o indivíduo, como no caso dos assexuais, não há motivos para classificá-lo como disfuncional”, explicou a coordenadora do ProSex, Carmita Abdo, em entrevista à BBC News.

“Os assexuais têm a libido canalizada para outros aspectos, que não o erotismo e o relacionamento. Todos temos libido, mas não necessariamente voltada para sexo. Para eles, ela pode ser focada no trabalho, nos estudos ou em outra coisa”, complementou.

Assexualidade com sexo?

Associar a assexualidade com a total ausência de práticas sexuais é algo absolutamente natural, mas que não dialoga 100% com a realidade. Desde que o tema passou a ser tratado como orientação, uma série de denominações buscaram contemplar variados níveis de relação com o sexo que não o total desinteresse.

A diversidade dentro dessa comunidade é representada por sua própria bandeira. Nela, cada cor identifica um grupo. O preto, a completa assexualidade; o cinza, os assexuais que possuem algum tipo de relação sexual em situações específicas; o branco representa os alossexuais, aqueles que têm desejo sexual ocasionalmente e, por conta disso, se relacionam; e o roxo abrange a comunidade como um todo.

Há ainda uma área cinza que representa os que podem se relacionar sexualmente em diversos contextos. Os grayssexuais, por exemplo, sentem atração raramente e em situações específicas, independente de envolvimento emocional. Os autoeróticos preferem a masturbação e outros toques no próprio corpo do que se relacionar com outra pessoa, e os demissexuais só sentem atração sexual quando há um forte vínculo afetivo.

Ariel, por exemplo, é um assexual fluído. Isso quer dizer que ele pode transitar por diversas categorias da assexualidade em determinados períodos, sem conseguir se posicionar em apenas uma denominação.

Já Taline se vê como demissexual. “O sexo para mim pode ser a consequência de uma atração intelectual, filosófica, ideológica…”, disse.

Falta de representatividade e preconceito

A falta de abertura para falar sobre assexualidade ainda é uma barreira na sociedade atual. O tema não está presente em programas de TV ou no cotidiano das discussões sociais, como está o restante da comunidade LGBTQ+, por exemplo. Assim, o processo de identificação dessa orientação passa a ser mais penoso, solitário e demorado.

Não é comum também que, com a falta de informação e representatividade, as pessoas confundam assexualidade com homossexualidade. “Uma menina bonita praticamente se atirou em mim e eu neguei, será que sou gay? Sempre esperei encontrar a menina ideal que despertasse desejo em mim. Quando ela aparece, eu não sinto [desejo]”. A fala é de Caetano, um jovem de 24 anos ouvido por Elisabete Regina de Oliveira em sua tese de doutorado, e evidencia como a falta de informação pode causar confusões dramáticas na mente de pessoas que estão se descobrindo.

“Ainda existe muito preconceito e muita coisa a ser desmistificada. É difícil você encontrar assuntos relacionados a assexualidade na mídia, principiante na TV. Não me vejo tão representado assim”, diz Ariel.

Na sociedade atual, sexo se relaciona com poder, status e satisfação pessoal. Dentro dessa cultura, ter uma vida sexual ativa pode facilitar uma série de interações sociais, e o oposto também é verdadeiro. Nesse sentido, a assexualidade pode se colocar como uma forma de desconstruir essa percepção. Mas para Ariel, ainda é cedo para dar esse passo.

“Faz pouco tempo que começamos a falar sobre assexualidade para as pessoas. A assexualidade é algo quase invisível ainda. Essa desconstrução pode acontecer sim, mas ainda há uma boa caminhada pela frente”, garante ele.

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