“A política brasileira é, ainda hoje, dominada pela mesma elite branca da época da escravidão.” A frase, do professor Nelson Inocêncio, coordenador do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Universidade de Brasília (UnB), pode ser traduzida em números. No Distrito Federal, dos 33 secretários, apenas três são negros. Na área federal, a situação não é muito diferente. Segundo levantamento feito por meio do site dos ministérios, enquanto mais da metade do país é negra, apenas 10 dos 225 cargos de chefia, entre ministros e secretários, são ocupados por afrodescendentes.
Como a presença deles no poder é rara, há relatos de que, quando vão a alguma reunião, são confundidos com assessores ou com um representante da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial. O secretário do Idoso, Ricardo Quirino, cansou de ser barrado na porta de reunião. “Como geralmente sou o único de pele preta, olham diferente na mesa de negociação. Associam a figura do negro à falta de capacidade”, acredita.
Quando está nesses encontros, a felicidade por perceber que obteve sucesso na vida vem junto com a tristeza de saber que aquela cena é o reflexo da sociedade. “Olhando socialmente para aquela mesa, vejo a raiz da exclusão, da falta de oportunidade para todos”, lamenta.
Quem conquistou seu espaço, como Quirino, garante que precisa provar diariamente que é capaz. Para um militante partidário, porém, a dificuldade de conquistar a confiança dos companheiros é ainda maior. Rui Gomes, presidente do Movimento Afrodescendente de Brasília, é filiado ao Partido dos Trabalhadores (PT) e conta histórias de discriminação até dentro da própria legenda. “Algumas pessoas acham que o negro não dá conta de concorrer a algum cargo”, diz.
Frei Rubens, irmão de Rui, não tem partido, mas também é defensor da causa negra. Ele critica a ausência de representantes afrodescendentes e cita os políticos que não fazem nada para encontrar lideranças que não sejam brancas. “Em tempo de campanha, fazem de tudo. Dão lanche, mandam ônibus para irmos a comícios. Em anos normais, contudo, esquecem da gente”, relata.
Desconfiança
Para um negro conquistar o voto do eleitor não é fácil. No Congresso, dos 513 deputados, 46 são negros. Na Câmara Legislativa, eles são quatro em 24, e todos homens — nunca uma mulher negra se elegeu como representante do DF.
O secretário da Promoção da Igualdade Racial, Viridiano Custódio, foi candidato duas vezes a distrital e uma a federal. Durante a campanha, foi vítima de preconceito várias vezes. “Quando eu entregava meu panfleto, tinha gente que falava: ‘por que esse negro quer se candidatar?’ A gente fica abalado, mas sempre tentei usar isso como estímulo para continuar lutando por um mundo mais igual”, diz.
Custódio acredita que o eleitor busca um candidato que considera bem-sucedido na vida, e geralmente cai no estereótipo do homem branco, heterossexual e com formação superior. “As pessoas votam em quem sonham ser, não no seu par”, argumenta.
O secretário também já foi vítima de discriminação em evento oficial. Na inauguração do Estádio Nacional de Brasília Mané Garrincha, ele estava na tribuna de honra. No intervalo, saiu para ir ao banheiro. Quando voltou, foi barrado por um segurança.
O primeiro passo para acabar com o preconceito racial foi dado. “Reconhecer que ele existe é um começo”, diz o professor Nelson Inocêncio. O baixo número de negros no alto escalão dos ministérios e nas secretarias do GDF, porém, revela uma das piores discriminações, segundo o professor. “O preconceito institucional existe. E o pior: ele se naturalizou. Esse fenômeno impede a ascensão dos negros profissionalmente. E a herança da escravidão está viva no país. A ideia de que o negro não tem condição de assumir um cargo de prestígio é uma prova disso”, acrescenta.
Mesmo o partido que teoricamente é dos trabalhadores tendo chegado ao poder, esse cenário não mudou. “Aquela referência histórica do PT dos anos 1980 não existe mais. Hoje, o partido tem outra cara, não são os trabalhadores da base da sociedade que estão lá”, analisa o professor.
Custódio é filiado ao PT há 21 anos e discorda de Inocêncio. “A força do partido vem dos sindicatos, e a maioria dessas organizações é composta por gente com mão de obra qualificada. Grande parte dos negros nem isso tem”, defende.
O problema é que a imagem do negro está sempre relacionada à pobreza, e o governo reforça isso, segundo Quirino. “Pode perceber que, nas propagandas de combate à fome, os atores sempre são de pele preta”, argumenta.
O secretário foi deputado federal suplente pelo PRB e assumiu a cadeira por um ano e meio, entre 2008 e 2009, e por seis meses em 2011. Ele lembra que a vida não era fácil no Congresso. “Eu tinha de me impor para não ficar isolado”, recorda.
Quando deixou o mandato na Câmara dos Deputados, Ricardo Quirino ganhou um cargo no governo Agnelo Queiroz. A secretaria do Idoso foi criada justamente para abrigá-lo.
Fonte: Diário de Pernanbuco