Rafinha suspenso do cqc por ofender gente que importa

por LOLA ARONOVICH

Fico feliz que o humorista Rafinha Bastos tenha sido suspenso do CQC. Por mim, ele poderia ir pros States fazer stand up comedy (seu sonho), e não voltar mais. Porém, a direção da Band ainda não sabe se ele retornará ou não ao programa. Talvez seja desnecessário que eu diga que, por mim, todo o elenco do CQC poderia ir passear nos EUA e ficar por lá. Eu gostaria que houvesse alternativas inteligentes na TV. O CQC não é alternativa de nada. É mais do mesmo, um eterno perpetuador de preconceitos.

Mas vamos a uma rápida recapitulação do que Rafinha aprontou nos últimos meses, dentro e fora do CQC:

– Em maio, na sua casa de shows, fez a infame piada do estupro, reproduzida na revista Rolling Stones: “Toda mulher que eu vejo na rua reclamando que foi estuprada é feia pra caralho. Tá reclamando do quê? Deveria dar graças a Deus. Isso pra você não foi um crime, e sim uma oportunidade. Homem que fez isso não merece cadeia, merece um abraço”.

– Ainda em maio, os três integrantes do CQC 3.0, mas principalmente Rafinha, ridicularizaram os mamaços e a amamentação em público, dizendo e rindo das seguintes asneiras: mães que amamentam à luz do dia devem jogar um lencinho em cima ou ir ao banheiro, e não “enfiar a teta nas caras das pessoas”; mamilo parece rocambole; quem “mostra a teta é quem não deveria mostrar. Nunca é aquela gostosa […], é aquela mulher que não precisa de um sutiã, precisa de joelheira”. (Lembrando apenas que Marcelo Tas não gostou da minha crítica e ameaçou me processar. Retratar-se por ser a principal cara de um programa que insulta mães, jamais. Ameaçar com processo judicial quem discorda, tudo bem).

– Em agosto, Rafinha mirou contra Daniela Albuquerque, apresentadora da RedeTV: “Se fosse eu já dava uma cotovelada. É octógono, cadela! Põe esse nariz no lugar”.

– Na semana passada, Rafinha falou sobre Wanessa Camargo grávida: “Eu comeria ela e o bebê. Não tô nem aí”.

Esqueci alguma pérola da “figura mais influente do Twitter”, desse campeão do preconceito escancarado, digo, do politicamente incorreto? Vejamos quais foram os alvos dessas piadas: mulheres feias, vítimas de estupro, mães feias, mulheres que amamentam em público, mulheres exibicionistas, Daniela, Wanessa e o feto que carrega.

Ok. Por mais que as pessoas sensatas estejam comemorando a suspensão de Rafinha, convém lembrar que o CQC em geral, e Rafinha em particular, se desculparam em apenas duas ocasiões. Pela piada de estupro, Rafinha foi chamado a depor pelo Ministério Público, não quis falar nada à imprensa, e insistiu que sua profissão é mesmo fazer humor. Sobre amamentação em público, o CQC 3.0, mais uma vez, se fez de tapado e disse que seus integrantes são a favor da amamentação ― como se tivesse sido esta a questão (ademais, quem tira sarro de mulheres que amamentam em público, por tabela, condena a amamentação).

Já pela grosseria que cometeu contra Daniela Albuquerque, Rafinha pediu perdão. Por quê? Ahn, não por ter chamado uma mulher de cadela ou por usar linguagem violenta (“eu já dava uma cotovelada”), mas porque Daniela não é uma mulher qualquer (já que ofender uma mulher sem nome e em marido influente tá liberado) — ela é esposa do dono da RedeTV.

A gota d’água foi esse chiste com Wanessa Camargo. Por causa da piadinha, o astro do futebol Ronaldo, que é sócio de Marcus Buaiz, marido da cantora, decidiu se afastar do CQC. Hélio Vargas, diretor artístico e de programação, ligou pessoalmente para Buaiz para pedir desculpas. Na sexta, e só na sexta, um dos integrantes do CQC, Marco Luque, amigo de Marcus, divulgou uma nota que merece ser lida: “Sobre a piada feita pelo Rafinha Bastos, no programa ‘CQC’ que foi ao ar no dia 19 de setembro, eu, como pai, entendo e apoio a revolta e a indignação do Marcus Buaiz, um homem que conheço e respeito. Se fizessem uma piada com este contexto sobre a minha família, certamente ficaria ofendido. Com certeza uma piada idiota e de muito mau gosto”.

Ué, mas não era “só uma piada”? Não eram apenas as feminazis radicais que invocavam com o pobre comediante, impedindo-o de fazer humor e prosperar na sua profissão? Não era que qualquer crítica a uma piada era censura? Não era que o humor não deve ter limites? O que mudou? Deus mandou um memorando à população e esqueceram de me avisar?

O mais interessante na nota de Luque é que ele não parece se importar muito com os alvos da piada de “muito mau gosto”, que seriam, afinal, Wanessa e o bebê dela. Ele nem cita Wanessa na nota. E obviamente que ele não se revolta pela piada por atingir tantas gestantes anônimas. Não, nada disso. Ele reprova a piada “como pai”, e entende a indignação não de Wanessa, de mulheres em geral e de feministas em particular, mas do marido de Wanessa, que — ele sim — Luque conhece e respeita.

É fascinante que todas as vezes que as tiradas rafísticas causaram furor a ponto de merecerem pedido de desculpas foram quando homens se chatearam: o dono da Rede TV, marido de Daniela; Ronaldo, amigo de Marcus; Marcus, marido de Wanessa; Luque, amigo de Marcus. Foi mal aí, amigos e colegas, pais e maridos!

Sabe o que isso lembra, né? Lembra épocas não tão antigas em que um homem podia devolver a esposa ao pai se descobrisse que ela não era mais virgem. Em que o estuprador de uma mulher tinha que indenizar o marido. Em que aos homens permitia-se tudo, desde que não danificasse a propriedade masculina, e às mulheres, nada.

É este o recado passado agora pela emissora, pela mídia, que nem aponta essa “coincidência” de desculpas só serem pedidas a maridos, e pelo silêncio cúmplice dos outros integrantes do programa: sim, Rafinha errou, e será punido por isso. Ele ofendeu homens.

Fonte: Escreva Lola Escreva

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