SNI queria enquadrar ativista anti-racismo Abdias Nascimento

O ex-deputado e pesquisador Abdias Nascimento, considerado um dos maiores ativistas do movimento negro no Brasil, no século passado, por pouco não foi processado pela Lei de Segurança Nacional (LSN), durante o regime militar. Além disso, por recomendação do Serviço Nacional de Informações (SNI), o Ministério da Justiça chegou a estudar a possibilidade de enquadrá-lo por discriminação racial por causa de uma entrevista, durante uma visita ao país. Ele vivia nos Estados Unidos, onde lecionava em uma universidade em Nova York.

A entrevista de Abdias foi dada ao Pasquim, uma das publicações contestadoras do regime militar. O ex-deputado, que era considerado pela própria ditadura como “a figura de maior projeção do movimento negro no Brasil”, havia feito críticas às políticas governamentais para o setor. Foi o bastante para o SNI instigar o então ministro da Justiça, Armando Falcão, a analisar sua inclusão na temida Lei de Segurança Nacional. Para isso, juntou diversos trechos do depoimento do ativista. O processo, que começou em setembro de 1978, durou quase quatro anos, e só foi arquivado em março de 1982.

Para tentar enquadrar Abdias, o SNI fez uma pequena análise sobre o poder do ativista, por causa de suas qualidades intelectuais. De acordo com os militares, ele poderia se constituir em uma influência capaz de apresentar um projeto político original para o país, voltado para o movimento negro. Várias ideias expostas na entrevista incomodaram o governo militar, como a Lei Afonso Arinos – que combate o racismo -, considerada por Abdias como “uma piada”, segundo relatório da Divisão de Segurança e Informação (DSI) do Ministério da Justiça.

(Foto: Imagem retirada do site Correio Braziliense)

Perseguição

Um dos pontos citados pelos agentes era a Carta de Princípios do Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial, que tinha cinco itens principais: a defesa da comunidade negra, a reavaliação do papel do negro na história do Brasil, a extinção das formas de perseguição e repressão, a liberdade de expressão e organização e a liberdade à luta internacional do negro. “O senhor ministro-chefe do SNI se dirige a V. Exa. encaminhando informação a respeito de Abdias Nascimento e solicitando estudo deste ministério sobre a possibilidade de processá-lo com base à Lei de Segurança Nacional”, relata documento enviado a Armando Falcão, que pede análise de sua assessoria jurídica.

A consultoria do ministro fez um parecer baseando-se também em outras entrevistas de Abdias e, depois de uma análise de cinco laudas, conclui que ele não poderia ser enquadrado por não ter cometido crime algum. “Inobstante a injustiça cometida — a de o ativista declarar a existência do racismo no Brasil — , não nos parece tenha o entrevistado praticado delito de imprensa ou contra a Segurança Nacional, porquanto, embora a seu modo, a sua posição é contrária à discriminação racial”, avaliaram os advogados do Ministério da Justiça.

Na mesma entrevista, Abdias teria reclamado à repórter que viajara dos Estados Unidos para o Brasil com a carteira de identidade, pois seu passaporte brasileiro lhe fora negado pelas autoridades do país. A consultoria jurídica do Ministério da Justiça sugeriu que a diplomacia brasileira fizesse um encontro com o ativista, uma forma de amenizar a situação. Com isso, segundo o relatório produzido à época, constituiria “em instrumento de nossa propaganda internacional, reveladora da ausência de qualquer discriminação racial no Brasil.”

 

 

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