*Todos os gays são brancos. – Por: Arísia Barros

Vai lendo o que escreve o doutor em antropologia Alex Ratts, lá de Goiás…

Por: Arísia Barros

“Todas as mulheres são brancas, todos os negros são homens, mas algumas de nós são valentes” (Título da coletânea feminista negra de Gloria T. Hull, Patricia Bell-Scott, Barbara Smith)

“Amor à vida”, de Walcyr Carrasco é “a novela mais gay do Brasil” como diz o amigo-parente MGJ. Parte considerável do país para todas as noites e se detém nesta trama. Tive a chance de ver isto em algumas residências situadas em comunidades populares urbanas e rurais e até ouvir um padre comentar este fato na homilia de uma missa campal, mencionando que “todo mundo assiste o Félix” e afirmando em tom de suposta brincadeira que o jovem tecladista da igreja também o fazia.

Na novela há longos diálogos entre Félix e Niko, repletos de farpas, xingamentos e suspiros, assim como cenas de conselhos e torcidas de pobres e ricxs para que os dois fiquem juntos. Há cenas de uma disputa entre os dois e Eron, ou entre Félix e Eron por Niko. Felix foi várias vezes “cantado” por um mecânico… branco. Novos personagens gays apareceram (Túlio, paciente de Amarilys, e Samuel, seu companheiro).

São todos brancos e ricos. Deve ser mesmo “a novela mais gay do Brasil”, mas o que parece mudar, segue ao lado do que se conserva.

1. A supremacia masculina continua firme: César que cometeu algumas atrocidades, outras seriam supostas, ficou cego por certo tempo que foi necessário para que se apiedem dele, inclusive o filho, vítima de homofobia por parte dele. A supremacia masculina, mesmo gay, se conserva: “a bichá má” se torna uma boa pessoa, ainda que mordaz.

2. A misoginia segue a plenos vapores: mulheres sofrem muita violência, do xingamento (“Cadela”, diz e repete Félix para a atendente. “Piranha” diz e repete o “fino” Doutor Lutero acerca de Aline), passando por tentativas de assassinato até a morte. Há bastante feminicídio.

3. A discriminação social está lá: a patroa muito rica casa com o motorista, mas em volta continua o preconceito contra as pobres: são marcadxs por se vestirem e por comerem “mal”, falam “errado”, são risíveis. Expressões pejorativas dos circuitos gays transbordam: “bicha pão-com-ovo”.

4. A invisibilidade negra compõe o quadro: as pouquíssimas personagens negras aparecem de forma esparsa e em situação subalternizada: além de algumas domésticas, há Jaiminho, o menino órfão que tem poucas cenas de vida social, e Inaiá, a enfermeira que é identificada como soropositiva, o que parece uma punição por ela ter vida sexual com vários homens. Ela foi chamada de “xícara suja” e banida pelo principal parceiro… branco.

Na parte final do folhetim mais gay do Brasil, entre os homens brancos ricos há ironias, rasteiras, traições, alguma solidariedade, jantares caros, espaços suntuosos, mas quase não há troca de afeto, nem erotismo. No máximo, mão no ombro e piscadelas. E um antigo e profundo mar de desigualdades e separações em volta.

Fonte: *Alex Ratts, doutor em Antroplogia, professor da Universidade de Goiás.

Fonte: Cada Minuto

 

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