Transplante pode curar anemia falciforme

Folha de São Paulo –

Doença genética é uma das mais frequentes no Brasil; procedimento não é regulamentado pelo Ministério da Saúde

Experiências no exterior mostram que transplante de medula óssea tem sido eficaz no tratamento de pacientes mais graves

 

 

A Sociedade Brasileira de Transplante de Medula Óssea acaba de concluir o consenso que inclui a anemia falciforme entre as doenças que têm indicação de transplante de medula óssea. As novas orientações serão publicadas na “Revista Brasileira de Hematologia”.


A elaboração do documento levou em consideração dados da literatura internacional, que apontam cura dos doentes tratados com transplante. É considerado curado o paciente que não desenvolve mais a doença depois de cinco anos.


Atualmente, esse tipo de procedimento não consta da lista de indicações do Ministério da Saúde, por isso ele ainda não é coberto pelo SUS. Os cerca de dez transplantes realizados no Brasil foram feitos em caráter experimental, em centros especializados. No mundo, foram realizados cerca de 400.


A anemia falciforme, que atinge principalmente a população negra, é uma das doenças genéticas mais frequentes no país. Ela costuma ser diagnosticada clinicamente, por causa da anemia. Em alguns Estados brasileiros, o diagnóstico é feito durante o teste do pezinho.


A doença provoca mudanças no formato das hemácias (glóbulos vermelhos) -em vez de serem redondas, passam a ser rígidas e a ter formato de foice.


Isso causa dois problemas: quando o organismo detecta a anormalidade, passa a destruir as hemácias, o que leva à anemia crônica. Além disso, o formato de foice dificulta a circulação e facilita a formação de coágulos, aumentando o risco de AVC e de trombose.


O tratamento atual envolve uso de medicamentos e também transfusões de sangue para corrigir a anemia. “O problema é que esses pacientes estão sujeitos aos riscos da transfusão crônica e à sobrecarga de ferro no sangue”, diz o hematologista Luís Fernando Bouzas, diretor do Centro de Transplante de Medula Óssea do Inca (Instituto Nacional de Câncer).


De acordo com Bouzas, já existe uma experiência razoável de transplantes em anemia falciforme no exterior. Ele ressalta que a indicação é adequada em alguns casos específicos.


Bouzas diz que a SBTMO recomenda o transplante para pacientes que já apresentam algum grau de deficit neurológico, que já sofreram ao menos um episódio de AVC, que tenham doença vaso-oclusiva grave ou que sejam resistentes ao tratamento padrão.


“Estimamos que cerca de 20% dos pacientes com anemia falciforme terão a indicação para o transplante. A discussão com o Ministério da Saúde tem como objetivo beneficiar essas pessoas”, afirma.


O hematologista Vanderson Rocha, diretor-científico do Projeto Eurocord, é um dos defensores do transplante nesses casos. Segundo Rocha, o Hospital Saint Louis, na França, já realizou 54 transplantes do tipo, sendo que 53 pacientes são considerados curados e apenas um rejeitou o transplante.


“Os resultados são muito bons, essas pessoas estão curadas. Três anos de tratamento com drogas e transfusões de sangue correspondem ao preço do transplante”, afirma.


O imunologista Júlio Voltarelli, responsável pela Unidade de Transplante de Medula Óssea do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, concorda. Ele já tratou cinco pacientes com transplante e todos os resultados são positivos. “O Brasil tem uma população enorme de negros e afrodescendentes. Muitos seriam beneficiados”, diz.


Apesar de ser uma alternativa promissora, o transplante tem algumas limitações: o paciente precisa encontrar um doador na família (30% de chances), pois, como a técnica não é regulamentada, não é possível buscar pessoas compatíveis nos cadastros.


“O processo [de transplante] custa cerca de US$ 30 mil. Esse é um custo que o Ministério ainda não cobre para esse tipo de doença”, afirma Voltarelli. Além disso, o transplante também tem uma fase crítica, com risco de morte por causa da baixa imunidade do paciente. “O transplante não é para todos. O médico tem que avaliar os reais riscos e benefícios.”


O Ministério da Saúde informou, em nota, que ainda não incluiu a anemia falciforme na lista de indicações de transplante, pois acredita que os estudos ainda não apresentam evidências suficientes para recomendar a disponibilização da técnica de forma irrestrita.


A pasta informou, ainda, que pretende iniciar um protocolo de pesquisa para avaliar a eficácia e a segurança da técnica. Os pacientes seriam acompanhados em centros de referência escolhidos pelo ministério.

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