‘Vai faltar algema’, diziam advogados em desagravo a Valéria dos Santos

Na tarde de segunda-feira, dia 17, Duque de Caxias tornou-se a capital da advocacia brasileira. O desagravo a Valéria Lucia dos Santos, advogada algemada no 3º Juizado Especial Cível da comarca na semana passada, reuniu cerca de 300 pessoas em frente ao fórum local em protesto contra a violência sofrida pela profissional.

Do Odiario Carioca

Além do presidente do Conselho Federal, Claudio Lamachia, a Diretoria da OAB/RJ, presidentes de outras seccionais e entidades da advocacia, colegas e dirigentes de todo o estado e de várias regiões do país conferiram ao ato um caráter nacional no que tange ao Direito. A adesão do movimento negro, em especial coletivos de mulheres negras, acrescentou uma ampla representatividade social no repúdio ao ocorrido.

O presidente da Seccional, Felipe Santa Cruz, iniciou afirmando que a força nacional da entidade está na sua atuação local. “O primeiro socorro é daquele delegado ou subseção que está ao seu lado. A Ordem existe porque somos milhares de colegas que solidariamente reagem às violências. Duque de Caxias passou a ser o coração da advocacia brasileira nessa reação. A sede da subseção foi inaugurada há menos de duas semanas, mas a verdadeira inauguração é hoje, porque não é o prédio que dá vida à Ordem, e sim dias como esse, que mostram a força da advocacia”.

Após o ato, Felipe e Lamachia reuniram-se com a juíza Mafalda Lucchese, diretora do fórum. A magistrada decidiu que a juíza leiga Ethel de Vasconcelos não será afastada preventivamente, por “respeito ao princípio do contraditório e da ampla defesa”, mas comunicou que já foi aberto um processo administrativo no Tribunal de Justiça para apurar os fatos ocorridos. A audiência realizada pela juíza leiga, como se sabe, foi tornada sem efeito pelo juiz Luiz Alfredo Carvalho Júnior, sendo remarcada para esta terça-feira, dia 18. A juíza leiga também responderá a processo administrativo na OAB/RJ. A Seccional continuará cobrando, também, punição aos policiais que algemaram a advogada.

Palavra de ordem – “Queridos amigos, me sinto honrada. No dia, fiquei com muito medo, mas enfrentei. Porque eu estudei muito. Não briguei por nada absurdo, apenas pela preservação da lei, e pela minha cliente, que é o mais importante para a nossa profissão”, resumiu a desagravada. Ela relatou um episódio que acabou por criar uma palavra de ordem: “Uma colega me disse que antes não falava nada quando isso acontecia, mas que agora, por minha causa, ela vai resistir. Eu disse: gente, vai faltar algema!”.

O presidente da Comissão de Prerrogativas da Seccional, Luciano Bandeira, também foi breve. “Repito um lema das mulheres: mexeu com uma advogada, mexeu com todas. Poucas pessoas teriam a altivez, a força moral e de caráter que a Valéria teve para enfrentar a forma covarde como foi algemada numa sala de audiência, como nem na ditadura se fazia”, condenou. Em sua fala, Luciano cobrou a votação no Congresso Nacional da lei que criminaliza o desrespeito às prerrogativas dos advogados.

Foi essa força o ponto destacado, também, pelo presidente da OAB/Duque de Caxias, Vagner Sant’Ana. “Temos hoje um manifesto da advocacia de todo o Brasil. Essa agressão atingiu a Valéria, mas também atingiu a cada um de nós, e a dignidade da advocacia. Sem ela, a democracia vai à falência. Essas práticas estão entrincheiradas no Poder Judiciário estadual, com as honrosas exceções. Não podemos nos acostumar e aceitar esses ataques à dignidade da advocacia, não havia crime, não há justificativas para o uso das algemas”, reforçou.

“Se cada mulher contasse um dia de trabalho seu, ficaríamos muito tempo aqui. Só nós sabemos o que passamos diariamente ao sair de casa, por medo de ser estupradas. A gente se prepara, estuda, trabalha, mas não disputa em igualdade. Aqui temos um grito da advocacia feminina, das mulheres negras, vamos resistir juntas, sempre”, acrescentou a presidente da OAB Mulher da OAB/RJ, Marisa Gaudio. Ao final do ato, Valéria foi convidada a integrar a Comissão OAB Mulher da Seccional.

Desagravo a Valéria dos Santos – Foto: Lula Aparício

A presidente Nacional da Mulher Advogada, Eduarda Mourão, também esteve presente. “Venho abraçar você Valéria, em nome de todas as advogadas do Brasil. Parafraseando Rui Barbosa, digo que a advocacia é uma profissão para mulheres corajosas como você. Precisamos estar unidas, andar de mãos dadas. Como ela disse na ocasião, nós queremos trabalhar, advogar com dignidade, sermos respeitadas”, frisou.

“Todos os dias a advocacia feminina sofre, mas sabemos que isso atravessa de outra forma as mulheres negras. Quero agradecer aos coletivos de mulheres negras, como o Madalena Anastacias, o Fórum de Luta das Mulheres Negras, a Ivanir dos Santos, às comissões de Igualdade Racial da OAB/RJ e da OAB/Duque de Caxias, a Humberto Adami, e a todas as mulheres negras que estão aqui. Esse episódio demonstra a importância de nossa união. Nosso grupo de estudo de mulheres negras foi a primeira iniciativa do país, e já temos uma diretriz nacional para que outras seccionais façam o mesmo. Mais uma vez, queremos parabenizar o delegado Marcelo Vaz, que deu ordem para retirar as algemas, o com isso retirou os grilhões de nossa amiga”, afirmou a coordenadora do Grupo de Trabalho Mulheres Negras da OAB Mulher da Seccional, Marina Marçal.

Desagravo a Valéria dos Santos – Foto: Lula Aparício

União da advocacia – Já Claudio Lamachia pediu à advogada que se sentisse abraçada e acolhida por mais de 1 milhão e 100 mil advogadas e advogados brasileiros. “O que estamos vendo aqui é uma demonstração clara de união da advocacia brasileira. Acima de qualquer coisa, Valéria, você merece respeito e admiração. Da minha parte, te saúdo como presidente nacional da OAB, mas principalmente como colega de profissão. Temos que mostrar à sociedade que em um somos todos e em todos somos um. Por isso mesmo, temos aqui os presidentes da OAB de Pernambuco, São Paulo e Amazonas, além de colegas advogados de vários locais que não viram barreiras para prestar solidariedade a sua bravura. Mais do que a advocacia, é a sociedade civil organizada te apoiando e reconhecendo sua coragem”, assinalou.

Desagravo a Valéria dos Santos – Foto: Lula Aparício

A necessidade de união da categoria foi reforçada pelo presidente do sindicato dos Advogados, Álvaro Quintão. “Não é possível aceitar que alguns colegas que estavam presentes à audiência tenham se acovardado diante dessa violência contra a advocacia e contra as mulheres e os negros”. Para o presidente da Comissão Nacional de Prerrogativas, Cássio Teles, Valéria é o “símbolo da boa resistência da advocacia, que jamais será calada”, e foi algemada quando exigia um direito de sua cliente, ou seja, “no pleno exercício profissional”, e na “luta pela justiça”. O presidente OAB/SP, Marcos da Costa, também se alinhou na defesa das prerrogativas. “É inaceitável que dentro do fórum, lugar de se fazer justiça, uma advogada, mulher, negra, seja algemada como se bandida fosse. É importante ressaltar a coragem da Valéria”, finalizou.

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