O Coletivo Vinhetando publicou reportagem que ilustra como foi a semana que antecede a ocupação militar das favelas da Maré pelas Forças Armadas, marcada para amanha às 6h. Segundo o Coletivo os moradores têm sofrido com os tiroteios, as invasões de residências sem mandado judicial, e com furtos, agressões e assédios sexuais por parte dos policiais do Bope. O Favela 247 ouviu moradores da Maré que confirmaram quase todas as denúncias levantadas pela matéria.
A semana que antecedeu a ocupação das Forças Armadas nas favelas da Maré, que acontecerá amanhã a partir das 6h, foi marcada por violências e violações de Direitos Humanos. O Coletivo Vinhetando, que reúne artistas e jornalistas, publicou reportagem sobre como foram os últimos dias na Maré. Eles revelam que a ocupação militar vinha sendo orquestrada há tempos, e que os ataques às UPPs pelo Comando Vermelho foram uma boa justificativa para pedir a ajuda federal. As fontes ouvidas pelo coletivo relatam vários abusos cometidos por policiais do Bope, como invasões de residências sem mandado judicial, furtos, roubos, sequestros e assédios sexuais.
A reportagem do Favela 247 entrou em contato com moradores da Maré, que não quiseram se identificar, para checar as graves denúncias feitas pelo Coletivo. As operações do Bope se concentraram nas favelas Parque União e Nova Holanda, ambas sob o controle do Comando Vermelho. No Parque União a situação é mais tranquila, os bares e o comércio continuam abertos, e alguns moradores estão esperançosos com a ocupação, muitos deles tinham que dormir fora de casa em noites de baile funk.
Segundo uma das fontes, a situação na Nova Holanda está mais tensa, os traficantes de lá são mais resistentes à ocupação, e os tiroteios mantém bares e comércio fechados. Houve sim casos de invasão de casas sem mandado judicial e “confisco” de eletrodomésticos, sob a alegação de que os moradores não possuiam as notas ficais. Os assédios sexuais por parte dos policiais realmente acontecem, mas segundo a fonte pode ser uma “técnica” da polícia para tentar identificar quem é “mulher de bandido”.
Durante as operações do Bope que antecedem a ocupação da Maré pelas das Forças Armadas duas pessoas foram mortas, uma na favela Nova Holanda e outra em Rubens Vaz.
Leia abaixo à matéria na íntegra.
Por Coletivo Vinhetando
Maré de silêncios e violações de direitos
Na sexta-feira passada, a notícia de que os traficantes estavam reunidos na Maré corria as vielas das favelas do complexo que reúne 16 comunidades e mais de 130 mil habitantes, entre a Avenida Brasil e a Linha Vermelha. Moradores comentavam que motos e carros roubados estavam sendo queimados pois o Bope chegaria à comunidade em breve. No fim da tarde, o comércio das comunidades foi fechado, já que o batalhão de caveiras estava prestes a chegar. Todo mundo já sabia. Moradores corriam para casa às pressas, enquanto os peixes grandes do tráfico já estavam bem longe dali. E o Bope chegou na noite de sexta para sábado, em meio à notícia de que o governo estadual pedia ajuda ao governo federal, e as forças armadas iriam ocupar a Maré até a Copa do Mundo.
Corta para flashback. Em janeiro, em meio à expectativa de que UPPs poderiam ser implementadas no primeiro semestre de 2014 nas comunidades da Maré, a polícia anunciou em uma reunião do Conselho Comunitário de Segurança, realizada do 22o BPM (Maré), que não haveria UPP antes da Copa, para a surpresa de muitas lideranças da região. Em vez disso, o Bope iria ocupar a comunidade. Ou seja, a ocupação do Bope e das Forças Armadas vinha sendo orquestrada há tempos, e os ataques a UPPs pelo Comando Vermelho foram desculpas que caíram como uma luva na argumentação a favor da intervenção militar, que enfatizou a necessidade de “Garantia da Lei e da Ordem”, sobretudo durante a Copa, no pedido de apoio enviado pelo governo estadual às Forças Armadas.
Manhã de quinta-feira, 27 de março: sétimo dia de operações do Bope na comunidade, e um silêncio inquietante rondava as esquinas da Nova Holanda. Nada de música. Nem funk nem pagode tocavam nas ruas mais movimentadas da favela, contrariando a rotina de animação que começa logo de manhã pelas ruas daquela comunidade. Nem os crackudos ocupavam as proximidades da Brasil, onde nos últimos meses se proliferaram, em todas as horas do dia, até mesmo nos canteiros da via expressa, e no canteiro de obras da Transcarioca.
Mas não havia policiais na entrada da favela. “Cadê esses policiais?”, perguntei em um bar, sem nenhum cliente. “Estão lá pra dentro. Eles passam aqui toda hora”. Naquela manhã, havia tido tiroteio entre traficantes e policiais do Bope, e uma pessoa, supostamente envolvida com o tráfico, foi ferida. “Está tendo tiroteio todo dia, sempre no fim da tarde, por volta das 17h” , afirmaram os moradores. “Ontem teve muito tiro”, complementou um deles. “Minha mãe não me deixa mais fazer o mesmo caminho pela favela para ir à aula por causa dos caveirões”, disse um estudante menor de idade.
Se, na mídia corporativa, a polícia divulga que está realizando buscas com mandados judiciais, poucas horas de conversa com moradores revelam que o pé na porta dos policiais é a primeira violação que abre as portas para outras ainda piores, como furtos, roubos e assédios sexuais. “Eles já levaram computador, joias, dinheiro e até comida de muita gente”, explicou um morador. “Invadiram a casa de uma moça, passaram a noite lá, tomaram banho, e roubaram até pedaço de bolo da cozinha”, questionou outra. “Uma conhecida minha está catando todas as notas fiscais dos eletrodomésticos, para nenhum policial questionar nem roubar nada” , explicou outra.
Basicamente, depois de entrar sem mandado em diversas casas e estabelecimentos, os policiais têm exigido dos moradores as notas fiscais de equipamentos eletrônicos e bens de consumo, e, se estas não são apresentadas, os bens estão sendo “confiscados” ilegalmente pela tropa. Muitas lojas e casas já foram saqueadas em plena luz do dia nas comunidades ocupadas desde o fim de semana pelo Bope, aquele batalhão que se auto-proclama “incorruptível”. “Se você não tiver a nota fiscal do seu computador, vai perder. Eles estão levando na mão mesmo”, avisou um morador. “Entram para revistar e roubam o dinheiro que acharem”, denunciou outro.
Mal chegaram às comunidades e já cometeram também assédios sexuais na frente dos moradores, mexendo com mulheres, inclusive passando a mão na bunda de algumas, em gestos simbólicos de violência, jamais denunciada pelo medo de represálias. Na reunião realizada nesta quinta com os comandantes do batalhões locais e das UPPs, foram distribuídos telefones através dos quais se pode denunciar as más condutas dos policiais, mas sabe-se lá qual viva alma vai se atrever a fazer uma denúncia como estas que aqui estão sendo publicadas. Durante o encontro com líderes comunitários, a PM exibiu um vídeo sobre as UPPs já instaladas, com criancinhas brincando com policiais, e disse que a UPP chegará à Maré no segundo semestre e será uma unidade “modelo” para todas as outras – numa tentativa de tentar convencer a população local de que não se trata de mais um passo do projeto de marketing político do governo estadual que visa às maquiagens para a Copa e para as eleições.
Nessa quinta, por volta das 16h, enquanto crianças voltavam da escola e moradores chegavam do trabalho, os homens de preto empunhavam seus fuzis para todas as direções, conforme adentravam a favela para mais uma rodada de buscas por armas, drogas e indivíduos envolvidos com o tráfico – que ainda tem alguns representantes na comunidade atuando na venda móvel de entorpecentes, sobretudo à noite. Dizem que alguns traficantes foram sequestrados e permanecem nas mãos da polícia desde o fim de semana.
Com o Bope avançando para dentro da comunidade, a população local tentava seguir com suas rotinas de fim do dia de ontem, mas se apressava para mudar de rota e evitar as vielas mais internas, com medo de tiroteios. “Já tá liberado”, comentou um morador, sobre a presença da polícia nas favelas, dando a entender que tudo havia sido negociado anteriormente, mais uma vez. A partir de domingo, vai-se assistir a mais um capítulo da espetacularização da segurança pública no Rio, com a chegada das Forças Armas ao bairro da Maré. E, mais uma vez, a mídia e os governos vão enaltecer mais essa iniciativa de “pacificação” armada, fruto da aliança dos governos que querem eleger seus candidatos na mesma chapa, mantendo silenciadas as violações de direitos e os crimes cometidos pelas forças estatais nessas ações.
Fonte: Brasil 247