A Organização das Nações Unidas (ONU) proclamou, em 1966, a data do dia 21 de março como um dia de luta contra a discriminação racial, em memória ao chamado Massacre de Shaperville, em Johanesburgo, na África do Sul, em 1960.
Na ocasião, 69 pessoas morreram e centenas ficaram feridas após um confronto com a polícia. Os negros protestavam pacificamente contra a Lei do Passe, que exigia
que portassem uma caderneta que dizia onde poderiam ir ou não. Mais uma lei instituída no período do Apartheid sul-africano, que durou de 1948 a 1994.
“21 de março de 1966 foi um dos momentos mais dolorosos de um projeto iniciado no século 20 por uma minoria branca, cristã e protestante, que procurara apartar-se e afastar-se de uma maioria negra. Vários direitos foram sendo perdidos e o direito de ir e vir foi retirado. Um direito fundamental nos direitos do homem”, explica o historiador e pesquisador Álvaro Pereira do Nascimento.
Para Antonia Quintão, presidenta do Geledés, é importante relembrarmos esta data porque precisamos conhecer a nossa própria história e a história dos povos africanos.
“Os currículos escolares não podem continuar sendo construídos e concebidos a partir de apagamentos históricos, de hierarquizações, de subalternizações de culturas e de saberes”, reforça Quintão, relembrando o cumprimento da Lei nº 11.645, de 10 março de 2008, que torna obrigatório o estudo da história e cultura indígena e afro-brasileira nas escolas.
Este dia é relembrado em vários países, inclusive aqui no Brasil. “A data nos remete para o nosso presente e de como ainda massacres continuam acontecendo. E de que futuro projetamos e nos fazem pensar possibilidades reais de superação do racismo no futuro”, reforça o historiador Dudu Ribeiro, cofundador da Iniciativa Negra, organização da sociedade civil em ações de advocacia em direitos humanos e reformas, como na política sobre drogas.
Infelizmente, o Brasil ainda enfrenta muitos desafios no combate à discriminação racial.
“O racismo é um dos maiores dilema de toda a sociedade brasileira. E não apenas da população negra. Porém, ainda hoje observamos uma enorme dificuldade em reconhecer o racismo estrutural presente nas mais diversas áreas e diversos segmentos da nossa sociedade. Estamos no século 21 sem enfrentar de maneira efetiva o racismo e a exclusão da população negra”, destaca Antonia Quintão.
“O racismo brasileiro não é derivado da escravidão. Ele é um projeto, uma ideologia para manutenção de privilégios de uma população branca. Ele é um instrumento
fundamental para a manutenção de privilégios raciais que beneficiam uma branquitude”, explica Álvaro Nascimento.
Nascimento reforça que, em termos de discriminação, o racismo ainda produz novas vítimas do seu rolo compressor. “A maioria das pessoas em situação de rua, viciadas em crack, a maior parte dos presidiários são negros. Provas e realidades que se apresentam do racismo ainda vigente”.
Os especialistas destacam que, apesar do Apartheid ter acontecido na África do Sul, o Brasil também enfrenta as consequências de uma segregação racial, observada ao longo dos tempos.
“No Brasil, por exemplo, a Cidade de Deus é um bairro que foi construído quando expulsaram pessoas de uma favelas no centro do Rio, tiradas do centro e da zona sul para
não ter favelas lá. A Favela do Pinto (RJ) sofreu um incêndio criminoso não esclarecido até hoje e fez com que as pessoas fossem para locais mais distantes. Hoje, nesses locais não temos favela, temos clubes lá e uma maioria branca perto da Lagoa Rodrigo de Freitas no Rio.”, relembra Álvaro Nascimento.
O reflexo dessa segregação é a violência cotidiana. Segundo Antonia Quintão, ela é o outro lado do racismo. “Racismo é igual a violência. E por isso é importante destacar e denunciar que a primeira grande luta da população negra brasileira é a luta pela vida. É a luta pela sobrevivência. Essa violência ela é direcionada, tem o endereço certo. É como a bala as balas perdida aqui que de perdidas não tem nada. As balas nunca se perdem no bairro nobre, né? As balas se perdem lá na periferia, né?”, reforça Antonia Quintão.
“É importante dar destaque a legislações que visem o combate à discriminação racial e a continuidade de processos de ódio racial. Por outro lado, nós sabemos que o direito penal e a justiça criminal, atua sobretudo para a manutenção e ampliação das hierarquias sociorraciais no estado brasileiro.”, reforça o historiador Dudu Ribeiro.
O Brasil é um dos países signatários do acordo que a ONU estabeleceu sobre a década internacional dos afrodescendentes, criada em Assembleia Geral e que estabeleceu os anos de 2015 a 2024 como a década para reduzir as desigualdades e exclusões as quais estão submetidos os afrodescendentes.
“Nós precisamos pensar num projeto de desenvolvimento, de construção da democracia no Brasil que só vai ser efetivado se a gente for capaz de enfrentar o racismo. O racismo é incompatível com o projeto de desenvolvimento que seja verdadeiramente democrático estável e sustentável”, reforça Quintão.