Discriminação racial, social e estética. Estas são as três acusações que constam no inquérito aberto pelo Ministério Público contra o Villa Mix, balada sertaneja localizada na Vila Olímpia, em São Paulo. O MP, junto à divisões de direitos humanos, deu prazo de vinte dias, a partir do dia 5 de agosto, para receber uma resposta da casa sobre as acusações. Entretanto, segundo o Ministério, o tempo limite foi esgotado sem qualquer posicionamento da casa – que é de propriedade da dupla Jorge e Mateus.
por Marcos Candido no Elástica
As recentes denúncias formais começaram a surgir no início de agosto, mas as queixas são antigas. O espaço foi fundado em 2011, e desde 2012 há relatos de pessoas que foram barradas na porta por não se enquadrarem ao ‘perfil’ do local. Na prática, isso significa o impedimento de pessoas negras, acima do peso e até ‘mal arrumadas’ de curtirem shows que acontecem no espaço às quartas, sextas e sábados.
Para amplificar o debate, a página Boicote Mix foi criada no início de agosto, reunindo depoimentos (na sua maioria, anônimos), vídeos e fotos que mostram abusos cometidos por seguranças e promoters do estabelecimento. A prática é inconstitucional, discriminatória e zoada. Reunimos alguns relatos, enviados para a Boicote Mix, que podem te motivar a partir para um rolê mais democrático:
1. Racismo
“Fui em um grupo de aproximadamente 8 pessoas para esse estabelecimento, às 22h30. Estávamos em frente à balada, todos com o nome na mesma lista. Eu e minha amiga, também negra, resolvemos entrar um pouco depois do grupo (todos brancos). Nossos amigos entraram e alguns minutos depois, quando fomos tentar entrar, disseram que nossos nomes não estavam na lista.
Após tentarmos, em vão, mostrar que nosso nome estava na lista, mostrando o e-mail, perguntei à atendente se teria outra maneira de entrar na casa sem estar com nome na lista. Ela disse ‘sim’, pelo camarote, e eu disse ‘tudo bem, eu pago o camarote’. Na fila do camarote fui informada que lá estava lotado e não poderia entrar. Considerando que cheguei 22h30 na balada e, por volta das 23h30 (foi uma hora insistindo para entrar) não tinha mais ninguém na fila e a casa não estava na lotação máxima. Dava para ver na cara dos seguranças o constrangimento que a situação estava causando. Depois de ver que nada faria as hostess (super mal educadas) mudarem de ideia, decidi ir embora. Para não estragar minha noite, fui para outra balada. Cheguei a dizer à hostess que ia chamar a polícia e ela me disse ironicamente: ‘Chama, não vai fazer diferença’. Enquanto isso ‘promoters’, gerentes ou não sei que cargo eles desempenhavam, ignoravam o que estava acontecendo. Foi um dia ruim na minha vida pela situação e posso dizer que foi humilhante o que passei, mas como negra sei que ainda passarei, infelizmente, por momentos parecidos como esse ao longo da minha vida.”
2. Mais racismo
“Fui barrado lá duas vezes já – inclusive, uma vez foi ontem. Nas duas vezes, meus amigos da mesma lista que eu entraram, e eu era o único negro da turma. Ontem, quando liguei pra polícia militar, eles enviaram uma viatura e o policial não quis registrar meu B.O. por acreditar que era “frescura” minha. De acordo com as palavras dele, isso ‘não tinha nada a ver’ e que ‘era coisa da minha cabeça’”.
3. Preconceito estético
“A última vez em que estive no Villa Mix, mandei o nome para o promoter para ser VIP. Na porta da balada, como de costume, muitas meninas estavam se espremendo, tentando de todas as maneiras chamar a atenção de algum promoter para conseguir entrar. E, como de costume, os promoters e a mulher que fica lá na entrada (muito antiprofissional por sinal) selecionando as meninas que entrariam. Mandei mensagem para o promoter que tinha mandado a lista, perguntando se iria entrar e a resposta foi ‘suas amigas são bonitas? Não tem cara de novinha?’ Depois de muita conversinha assim, entrei na balada e encontrei o promoter. Perguntei por que só no Vila Mix era essa palhaçada toda pra entrar.”
4. Machismo
“Fui ao Villa Mix uma vez só. Na época, fui com 2 amigas, vestida como normalmente saímos, não para seguir um padrão, embora tenha visto que esse era o padrão: saia, camisa e salto. E uma outra foi em um estilo mais cowgirl: shorts jeans destroyed, blusinha e uma bota cano alto. Todas tinham nome na lista. Eu e a amiga que estávamos ‘no padrão’ entramos sem pagar. A outra alegaram que o nome não estava na lista e que precisava pagar. O mais cara de pau é que ela havia mandado os 3 nomes. Como ela iria esquecer o dela? Ela aceitou pagar. Quando estava entrando só ouvi a hostess falar: “só liberei porque ela tem potencial, mas é cafona. As amigas deveriam avisar”. OIIIIII? Enfim… Quando entramos estávamos na pista bebendo por nossa conta porque, né, cada uma que banque sua balada. Quando uma hostess chegou em mim e disse: ‘Tá sozinha?’, e eu disse ‘não’. Ela: ‘quem tá com você?’ Apontei as duas amigas. Ela pegou três pulseiras e falou assim: “Tá vendo aquele camarote do lado esquerdo? Pode ficar lá que os meninos estão precisando de amigas.’”
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Tentamos falar com o Villa Mix, mas a balada não conta mais com uma equipe de porta-voz. A página Boicote Mix, administrada pela jornalista Stephane Calazans, evoluiu e agora também propaga denúncias sobre discriminação ocorrida em outras baladas.