Bloco Ilê Aiyê: 44 anos de “reafricanização” do carnaval brasileiro

Grupo faz da festividade um ato político ao enfrentar o racismo

Por Juliana Gonçalves, do Brasil de Fato
 
Bloco afro só admite a participação de negros e reafricaniza carnaval baiano / André Frutuôso/Divulgação

Nascido em 1974 e composto por ritmistas, cantores e dançarinos negros, o Ilê Aiyê é considerado patrimônio cultural da Bahia, sendo o primeiro bloco afro do Brasil. De origem iorubá, Ilê Aiyê pode ser traduzido como “Casa de Negro”. E como local de resistência sempre esteve na linha de frente do combate ao racismo estrutural por meio da arte, da cultura e da educação.

Ilê Aiyê nasce no Curuzu, bairro Liberdade, o de maior população negra do país, com aproximadamente 600 mil habitantes. Seu surgimento é uma espécie de resposta à histórica segregação de negros do carnaval baiano.

Em 1975, o bloco toma às ruas liderado por um grupo de jovens. Entre eles estava Antônio Carlos dos Santos, conhecido como Vovô do Ilê.

Enquanto no primeiro desfile participaram menos de cem pessoas, hoje, apenas como associados o Ilê Aiyê reúne cerca de 3 mil pessoas e segue provocando transformações nas relações raciais em Salvador.

O Ilê já foi premiado diversas vezes como melhor bloco afro do carnaval baiano, tendo uma discografia de quatro álbuns, o último lançado em 1998. A Band’ Aiyê conta hoje com mais de 100 músicos.

Bloco se apresenta na Noite da Beleza Negra no último dia 20 de janeiro. Imagem: Heitor Salatiel

A musicalidade do bloco segue diálogo com ritmos oriundos da tradição africana, que ajudam no que o bloco propaga como “reafricanização” do Carnaval da Bahia.

A Band’Aiyê, que já teve Carlinhos Brown como mestre de percussão, já deixou sua marca em obras de artistas como Daniela Mercury, Martinho da Vila, e até a cantora islandesa Björk. A sonoridade do grupo busca demonstrar que a música baiana vai além do axé music.

Carlos Antonio, conhecido como Kehindê Boa Morte, mestre de bateria e percussão, conta que a principal característica do bloco é o samba-afro. “O mestre Bafo, o primeiro mestre de bateria do Ilê Aiyê trouxe esse samba afro com baqueta de madeira que fazemos o toque, o nosso ritmo. A gente usa também muito os toques de matrizes africana, o ilu, aguere, ijexá…”, explica.

2018

Neste ano, o tema do bloco é “Mandela. A Azânia celebra o centenário de seu Madiba”. Azânia é um outro modo de se referir a África do Sul, um nome africano sem conotações colonialistas.

A força do ex-presidente Nelson Mandela também foi tema do concurso de beleza anual realizado pelo Ilê durante a 39ª Noite da Beleza Negra que ocorreu no último dia 20. Este ano, a vencedora foi a estudante de 19 anos, Jéssica Nascimento que agora assume o posto de Deusa do Ébano do bloco.

Moradora do Cabula, região periférica da capital baiana, filha de Oxum, a deusa das águas doces, Jéssica trazia um punho cerrado em cima da cabeça como parte de seus adereços. Ela explica que o punho fazia alusão a teoria africana ubuntu – “eu sou porque nós somos” – muito difundida por Mandela.

Jéssica afirma que o Ilê Aiyê transformou o carnaval em uma manifestação política e ressalta a importância do bloco. “É uma entidade que leva o discurso político e social para as pessoas, de representatividade, de luta contra a discriminação e preconceito contra aqueles que não veem a mulher negra como símbolo de beleza”, finaliza.

Programação

O Ilê Aiyê, através de sua Band’ Aiyê, vem enaltecer a cultura e tradições afro em São Paulo nos dias 2 e 3 de fevereiro, sexta e sábado, às 21h30, no Sesc Pompeia, em um “esquenta” para o Carnaval 2018.

As apresentações são parte do projeto “Carnaval e Resistência”, do Instituto Kele e do Inã Projetos em Cultura e Educação. A primeira ação do projeto é uma série de shows do Ilê Aiyê por unidades do Sesc São Paulo: Jundiaí, em 1º de fevereiro; Pompeia, em 2 e 3 de fevereiro; e Campo Limpo, em 4 de fevereiro.

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