Violência política contra as mulheres é estratégia de ataque à democracia, diz especialista

Em MG, no dia 25 de novembro, de luta contra a violência de gênero, cenário é alarmante para parlamentares mineiras

Neste 25 de novembro, Dia Internacional pelo Fim da Violência contra as Mulheres, o Brasil se depara com um número alarmante. Segundo pesquisa elaborada pelo Instituto DataSenado e pelo Observatório da Mulher contra a Violência (OMV), 30% das mulheres brasileiras já foram vítimas de violência doméstica ou familiar provocada por um homem. 

O estudo ainda faz outra observação importante: o número, que já é alto, poderia ser maior, já que 29% das mulheres entrevistadas declararam ser vítimas de alguma conduta agressiva de um homem, mas não se identificaram como vítimas de violência doméstica. 

Em Minas Gerais,  a violência política, outro tipo de opressão, tem afetado as mulheres recorrentemente. Não à toa, os dados do Observatório Eleitoral da Violência Política e Eleitoral no Brasil, elaborado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (Unirio), colocam o estado como líder no que se refere aos ataques a lideranças políticas, com 13 casos registrados somente no terceiro semestre de 2023. 

Parlamentares mineiras já denunciaram ocorrências de ameaças de morte e estupro corretivo, provocações e agressões verbais. Elas estão na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), como as deputadas Beatriz Cerqueira (PT), Bella Gonçalves (PSOL), Andréia de Jesus (PT), Leninha (PT) e Lohanna França (PV); na Câmara dos Deputados, como é o caso da deputada federal Duda Salabert (PDT); e na Câmara dos Vereadores de BH, como denunciaram as vereadoras Iza Lourença (PSOL) e Cida Falabella (PSOL). 

No interior, as vereadoras de Uberlândia Claudia Guerra (PDT) e Amanda Gondim (PDT) também já relataram episódios de agressões. 

Para a professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher (Nepem-UFMG) Marlise Matos, a violência política de gênero é uma estratégia grave de ameaça ao sistema democrático do Brasil, uma vez que atinge mulheres em todas as posições de liderança, como candidatas, parlamentares, representantes de movimentos populares e sindicatos.

“A democracia se constrói, e faz isso com muita dificuldade, a partir de vozes, pensamento e perspectivas plurais”, comenta. Tentar silenciar as mulheres por meio de coerção e violência, segundo ela, vai contra os princípios democráticos. 

A pesquisadora acredita que a sociedade precisa acolher e recepcionar as mulheres com dignidade e igualdade, considerando, sobretudo, as diversidades, como é o caso das mulheres negras, trans e indígenas. “O sistema político é avesso a essas mulheres”, lamenta.

Enfrentamentos na política

No dia 27 de setembro deste ano, o Programa de Enfrentamento ao Assédio e Violência Política Contra a Mulher, que nasceu a partir do Projeto de Lei (PL) 2.309/20, foi sancionado em Minas Gerais. A autoria é compartilhada entre as deputadas Ana Paula Siqueira (Rede), Andréia de Jesus (PT), Beatriz Cerqueira (PT) e Leninha (PT).

Apesar da vitória, Marlise pontua que é preciso fazer com que a lei seja regulamentada, para que assim a medida possa receber financiamento e fazer parte da agenda governamental do estado. “A gente avançou, mas estamos ainda no meio do caminho, porque é preciso colocar orçamento, é preciso fazer campanhas de prevenção”, avalia. 

Em nível nacional, a Lei Federal 14.192, de 2021, já tipifica a violência política contra as mulheres. Entre os seus objetivos está a prevenção, a repressão e o combate aos ataques vividos pelo gênero feminino no âmbito político. 

O texto garante os direitos de participação política da mulher, ao mesmo tempo em que veda a discriminação e a desigualdade de tratamento por causa de gênero ou raça. Além disso, para assegurar a participação das mulheres em debates eleitorais, a lei dispõe  sobre os crimes de divulgação de fato ou vídeo com conteúdo inverídico no período de campanha eleitoral.

Quem ama não mata

Apesar da grande luta dos grupos e movimentos feministas, a violência contra as mulheres aumentou. Essa avaliação é da coordenadora do movimento Quem Ama Não Mata (QANM) Mirian Chrystus. A organização propõe debates para o rompimento do ciclo violento vivido pelas mulheres. 

“Uma das  explicações talvez esteja na resposta patriarcal às conquistas: as mulheres trabalham, têm uma certa autonomia, rompem com relações abusivas. E o preço, para algumas, é a própria vida”, afirma. 

A ativista pontua que o feminicídio é a violência máxima contra as mulheres, mas é preciso se atentar para os abusos cometidos no cotidiano que antecedem a ação do homem, como vigilância, controle, tapas, murros e empurrões. “Daí a necessidade de continuar a luta, reivindicando, cada vez mais, políticas públicas para enfrentar essa violência”, realça. 

Para o movimento, uma das principais demandas, hoje, continua sendo a instalação de mais delegacias de mulheres, presentes em apenas 10% dos municípios brasileiros, segundo o Núcleo de Estudos de Gênero Pagu, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). 

Outra medida fundamental, defendida por Mirian, é a reeducação de homens violentos, ao lado também de uma educação que aconteça  desde a infância e que ensine que meninas devem ser respeitadas. “Se os homens entenderem que essa reafirmação da identidade masculina nesses termos violentos é prejudicial aos gêneros, haverá a possibilidade de uma sociedade realmente mais democrática, mais respeitosa com as potencialidades de cada ser humano”, salienta. 

Agenda 

Neste domingo (26), o QANM promove, junto ao Instituto Galo, uma campanha de combate à violência contra as mulheres. A ação acontece na Arena MRV, durante a partida do Atlético-MG contra o Grêmio. 

No dia 30 de novembro e 1 de dezembro, o Nepem realiza, na UFMG, o primeiro seminário nacional “Violência Política contra as Mulheres: desafios e avanços no Brasil”. A programação será realizada no auditório Carangola, no primeiro andar da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (Fafich).

O evento, que conta com  três mesas de discussão, tem a  participação de representantes do Ministério das Mulheres (MM), do Observatório Nacional da Mulher na Política – Câmara dos Deputados (ONMP-CD), da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), da Câmara Municipal de Belo Horizonte (CMBH), da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social de Minas Gerais (Sedese-MG), do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), além de movimentos e organizações da sociedade civil.

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