Uma voz grave e marcante, mas sobretudo malandra, destacou-se em meio à explosão das rodas de samba que o Rio vivenciou na virada da década de 1970 para 1980. Era a de Jovelina Farias Belfort, a Jovelina Pérola Negra (1944-1998), expoente da turma do Cacique de Ramos, na mesma safra que revelou nomes como Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Almir Guineto e Arlindo Cruz. Partideira de talento nato, Jovelina ganha um musical em sua homenagem, “Pérola Negra do samba”, que estreia neste sábado (20), no Teatro Carlos Gomes, no Centro do Rio. A temporada vai até 9 de novembro.
Com direção de Luiz Antonio Pilar e texto de Leonardo Bruno — mesma dupla por trás do premiado “Leci Brandão — Na palma da mão”, o espetáculo pretende desvendar os caminhos de uma artista singular, que soube se inserir num ambiente quase exclusivamente de homens para deixar seu nome gravado na história do samba e do pagode. Jovelina chegou lá, mas um tanto tarde: foi fazer sucesso somente aos 41 anos, com a participação no disco “Raça brasileira”, álbum que também revelaria Zeca Pagodinho. Ambos ganharam seus primeiros discos solo depois. E a artista morreu cedo, em 1998, de infarto, aos 54 anos.
— Há caminhos para entender por que essa mulher de talento inegável e voz inconfundível, com presença e carisma fora do comum, só consegue gravar o primeiro disco depois dos 40 anos — diz Leonardo Bruno. — Como Dona Ivone Lara, que só consegue gravar seu primeiro disco depois dos 50, e Clementina de Jesus, revelada depois dos 60. A gente consegue perceber que tem algum padrão dessas mulheres pretas vindas de classes inferiores, com dificuldades de acessar mercado fonográfico. A indústria musical demorou muito para descobrir esses três talentos inegáveis.

Nascida em Botafogo, Zona Sul da cidade, mas criada em Belford Roxo, na Baixada Fluminense, Jovelina era filha de empregada doméstica, profissão que também assumiu após a morte da mãe. Baiana do Império Serrano, foi na vida boêmia paralela à rotina da escola que ela se encontrou. Virou figura fácil de rodas tradicionais da Zona Norte, onde surpreendeu com seu talento para versar no improviso, cantar e compor. Não é exagero dizer que, naquela época, ninguém era como Jovelina Pérola Negra.
— Ela era essa mulher que vai cantar a malandragem, o subúrbio, a feira, esse carioca do partido-alto, uma característica do repertório dela que não encontramos em nenhuma outra cantora — define Bruno.
A atriz Afro Flor interpreta a homenageada no palco.
— Flor fez um trabalho muito interessante, porque a Jovelina é uma figura difícil pra tentar chegar nela, tem uma voz muito particular — destaca o autor.