A Amazônia somos nós

Mais de 25 milhões de habitantes estão na linha de frente do ativismo socioambiental

Inclinado na grade de metal do palanque, o jacaré de dois metros e meio, rodeado de chapéus de palha, só perdia, em tamanho, para a cobra, pendurada no teto. Eram dez metros de comprimento. A árvore também não deixou a desejar com seus três metros de altura e folhas verdes reluzentes.

O palco, batizado de Rio de Encantarias, foi cenário da abertura da 5ª edição do Festival de Cinema das Periferias e Comunidades Tradicionais da Amazônia, realizado pela Negritar Filmes e Produções, em parceria com dezenas de organizações da Amazônia.

O festival ocorreu nos dias 3, 4 e 5 de setembro em Belém do Pará e colocou em foco as narrativas climáticas da Amazônia construídas pelos atores e atrizes da vida real, que protagonizam a luta pela defesa dos territórios da Amazônia.

Além de ganhar as telonas, os povos das florestas e das cidades amazônicas ecoaram por meio das artes visuais, dança, música e da oralidade, com as tradicionais rodas de conversa.

Essa foi apenas uma das ações realizadas por gente daqui na semana de celebração do dia da Amazônia. Em 2022, a gente entra para a história, pois somos nós que estamos contando uma parte dela.

Este território, que inclui nove estados brasileiros – Amazonas, Acre, Pará, Amapá, Roraima, Rondônia, Mato Grosso, Maranhão e Tocantins – e se estende para Bolívia, Venezuela, Equador, Guiana, Guiana Francesa, Suriname, Colômbia, Equador e Peru, existe há mais de dois milhões de anos, e ainda é visto por muitos como um lugar que precisa ser “salvo” e que, inabitado, precisa ser “civilizado”.

É a lente do colonizador que, muitas das vezes, os próprios brasileiros usam para retroalimentar esse sistema predatório e de exploração que nos tira do mapa.

Só na Amazônia Legal são mais de 25 milhões de habitantes. Povos que mantêm a região com as suas culturas do bem viver e do sobreviver –ainda que envenenados pelo mercúrio no rio, arrancados de suas terras por grandes empresas e seus capatazes, muitas vezes com a ajuda do Estado armado, e enterrando seus entes queridos que estão na linha de frente do ativismo socioambiental. São negros, indígenas, agricultores, quilombolas, ribeirinhos, extrativistas.

Participantes da oficina de audiovisual durante Festival de Cinema das Periferias e Comunidades Tradicionais da Amazônia (Foto: Hugo Chaves)

São os que estão à margem da margem, lutando no cotidiano por suas próprias vidas e pelas comunidades que mantêm, e não é de agora. São as culturas de muitos dos povos da Amazônia, principalmente os povos originários, que praticam o que é a política do compartilhamento de bens, saberes e, sobretudo, daquilo que se colhe da natureza.

Culturas que até pouco tempo atrás não estavam na TV, no jornal, no cinema, nas novelas, na publicidade e, em alguns casos, ainda não estão — ao menos não todas e não as escritas por nós. A cultura amazônica sempre foi invisibilizada por um pensamento eurocêntrico, que põe à margem outros saberes e conhecimentos.

Eu me pergunto: qual foi a grande virada de chave? Será que nós, com esse pingo de espaço e em tão pouco, tempo iremos reverter esse processo? A responsabilidade de fornecer ao Brasil os recursos naturais, intelectuais e morais para a manutenção do clima é toda nossa? A resposta é de todos os brasileiros.

Precisamos que cada um cuide do seu entorno e dos seus territórios, esteja onde estiver, e vote pela Amazônia, sem esquecer que não haverá justiça climática enquanto as culturas dos povos brasileiros e, sobretudo das Amazônias, não estiverem no centro do debate político, social e ambiental desse país.

Em pleno século 21, imagens de satélite da Amazônia rodam o mundo, que está acostumado a ver a Amazônia por cima. No entanto, daqui vemos por dentro e é por isso que continuamos de pé. A Amazônia somos nós.

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