“A “classe média verdadeira” é uma das classes dominantes em sociedades modernas como a brasileira”. Jessé Souza

Professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), o sociólogo Jessé Souza vem estudando as transformações e os impasses da estrutura de classes brasileira em livros como “Os batalhadores brasileiros: nova classe média ou nova classe trabalhadora?” (2010) e “A ralé brasileira: quem é e como vive” (2009), publicados pela Editora UFMG. Crítico das interpretações “economicistas” da sociedade nacional, Jessé considera que a associação frequente entre classe e renda torna superficial o debate sobre a “nova classe média” brasileira.

Veja abaixo a íntegra da entrevista concedida por Jessé Souza para a matéria de capa do Prosa & Verso desta semana, que pode ser lida aqui.

No livro sobre os “batalhadores”, você argumenta que os milhões de brasileiros que ascenderam socialmente nos últimos anos não configuram uma “nova classe média”, e sim uma “nova classe trabalhadora”. Por quê? O que separa esse estrato social da classe média?

JESSÉ SOUZA: O debate público brasileiro sobre a “nova classe média” é dominado por um debate pobre e superficial, que associa pertencimento de classe à renda. No entanto, a mera classificação econômica e estatística por faixas de renda não explica rigorosamente nada. Mas ela dá a “impressão” que explica. Passa-se a ilusão de que se organiza uma realidade confusa. Mas o que ajuda saber que tantas pessoas estão num certo patamar e outras em outro patamar de renda? O que isso diz dessas pessoas? Pessoas com renda semelhante podem ser muito diferentes entre si. Basta comparar um trabalhador da FIAT em Betim com um Professor universitário em início de carreira que ganham salários semelhantes. Todas as escolhas da vida dessas pessoas – a não ser a conversa sobre o futebol no domingo – tendem a ser muitíssimo diferentes entre si. O que importa saber para que se conheça uma “classe social” é o “como”, em cada caso, as pessoas são produzidas como seres humanos com capacidades distintas e acesso distinto a todos os bens e recursos sociais escassos em competição na luta social. Não existe questão mais importante que esta, porque é a questão que nos move a todos durante as vinte e quatro horas de cada dia. Associar classe à renda é fazer de conta que se fala de classe quando se escondem, na verdade, todas as questões que esclarecem a gênese social dos privilégios injustos.

Daí que tenhamos tentado corrigir e criticar a expressão “nova classe média”, construída segundo este tipo de classificação superficial da realidade. Na verdade, a “classe média verdadeira” é uma das classes dominantes em sociedades modernas como a brasileira, porque é constituída pelo acesso privilegiado a um recurso social escasso de extrema importância: o capital cultural nas suas mais diversas formas. Seja sob a forma de capital cultural “técnico”, como no caso da “tropa de choque” do capital, formada pelo exército de advogados, engenheiros, administradores, economistas etc., seja sob a forma de capital cultural “literário” dos professores, jornalistas, publicitários etc., este tipo de conhecimento é fundamental para a reprodução e legitimação tanto do mercado, quanto do Estado, ou seja, para a reprodução e legitimação da sociedade moderna como um todo. A incorporação deste tipo de capital cultural, por sua vez, exige “tempo livre” que só as camadas privilegiadas possuem. É esse fundamento social “invisível” que irá permitir mais tarde tanto a remuneração, quanto o prestígio social atrelado a este tipo de trabalho prestigioso e reconhecido.

A vida dos “batalhadores” é completamente outra. Ela é marcada pela ausência dos “privilégios de nascimento” que caracterizam as classes médias e altas. Como lhes faltam tanto o capital cultural altamente valorizado das classes médias “verdadeiras”, quanto o capital econômico das classes altas, eles compensam essa falta com extraordinário esforço pessoal, dupla jornada de trabalho e aceitação de todo tipo de super exploração da mão de obra. Essa é uma condução de vida típica das classes trabalhadoras, daí nossa hipótese de trabalho desenvolvida no livro que nega e critica o conceito de “nova classe média” e tenta construir um conceito de “nova classe trabalhadora”, produto das novas condições da divisão de trabalho internacional e da nova dominância global do capital financeiro Esses fatores fazem com que essa nova classe não tenha nada de “especificamente brasileira”, já que países como China, Índia e grande parte do sudeste asiático também devem boa parte de seu dinamismo atual a este mesmo fenômeno.

Apesar disso, hoje no Brasil tanto o mercado quanto o governo enfatizam a ideia de uma “nova classe média”. A que você atribui essa ênfase?

JESSÉ SOUZA: A ênfase é perfeitamente compreensível. Esse estrato social é o grande responsável pelo extraordinário desenvolvimento econômico brasileiro dos últimos anos que se deu, fundamentalmente, pela perspectiva do mercado interno. Foi esse estrato que dinamizou a economia brasileira na última década e estimulou o mercado de consumo de bens duráveis antes de impossível acesso a grandes parcelas da população. Politicamente, também, ele é a maior novidade no cenário brasileiro, ainda que seja uma classe muito heterogênea, com distinções regionais importantes e abrangendo desde pequenos empresários até trabalhadores super explorados e sem direitos sociais.

Nosso estudo procurou dar conta tanto do elemento de “chance” e de “novidade bem-vinda”, que são inegáveis, como também do “outro lado” desse fenômeno: o da dor e do sofrimento silenciados por leituras triunfalistas e apologéticas da realidade. Também foi nossa preocupação criticar as leituras que já partem do “preconceito de classe” – como na crítica a outras pesquisas que realizamos no nosso livro – e, claro, só confirmam aquilo que já procuravam.

Você dedicou seus últimos dois livros ao estudo da “ralé brasileira” e dos “batalhadores brasileiros”. Como você define esses dois grupos sociais e o que os diferencia?

JESSÉ SOUZA: Na verdade, as classes sociais se formam pela herança afetiva e emocional, passada de pais para filhos no interior dos lares, de modo muitas vezes implícito, não consciente e inarticulado. São esses estímulos, que são muito distintos dependendo do ambiente familiar típico de cada classe social, que irão construir formas específicas de agir, reagir, refletir, perceber e se comportar no mundo. E é precisamente a presença ou falta de certos estímulos, por exemplo, estímulos para a disciplina, para o autocontrole, para o pensamento prospectivo, para a concentração, que irá definir as classes vencedoras e perdedoras antes mesmo do jogo da competição social se iniciar de forma mais explícita.

Estudando empiricamente a “ralé”, como chamo, provocativamente, essa classe de infelizes e abandonados, num país que nega, esconde e eufemiza todos os seus conflitos sociais, percebemos que existem classes sociais, como a “ralé”, por exemplo, com dificuldades de concentração, por falta de exemplos e estímulos à leitura e à imaginação, e por conta disso já chegam “derrotadas” na escola e depois, com mais razão ainda, no mercado de trabalho.

Como a “ralé” não realiza, em medida suficiente, as pré-condições emocionais e cognitivas que permitem a “incorporação” de capital cultural ou técnico valioso, ela é jogada nas “franjas” do mercado competitivo. Assim sendo, ela passa a ser “vendida” como mero “corpo”, ou seja, não como corpo “perpassado” por conhecimento útil e, conseqüentemente, desejável, mas como mera “energia muscular” para serviços sujos, pesados ou humilhantes que as classes superiores evitam desempenhar. Por conta disso, a “ralé” é explorada pelas classes média e alta que, dispondo dessa mão de obra de pouco valor – os homens da ralé fazem o serviço pesado e sujo; enquanto as mulheres o trabalho doméstico e sexual para as classes superiores – podem dedicar seu tempo a trabalhos e estudos de retorno muito mais alto. Essa é uma “luta de classes” sobre a qual nunca se fala no Brasil. E ainda nos assustamos com os “quebra quebras” populares ou quando o ressentimento não articulado de classe humilhada nos assalta na rua.

A precariedade econômica e existencial da ralé implica a criação de uma classe que tende a se eternizar, posto que condenada ao “aqui e agora”. É uma classe literalmente “sem futuro”, pois jamais “planeja o futuro” dada a “urgência” da sobrevivência no presente. Nas classes “incluídas”, inclusive os “batalhadores”, ao contrário, o futuro é mais importante que o presente, implicando o cálculo e o planejamento da condução da vida que permite que se “tenha futuro”. A “ralé” nunca foi, de resto, sequer “percebida” como uma “classe social” entre nós. Seja no debate intelectual, seja no debate público ela é sempre percebida apenas fragmentariamente na luta entre bandido e polícia no Rio de Janeiro, na inoperância do SUS e da escola pública, no gargalo da mão de obra sem qualificação, nos quebra-quebras populares etc. É a existência dessa classe de abandonados sociais, no entanto, mais que qualquer outra coisa, que marca o atraso social e político brasileiro e o que, na verdade, explica nosso atraso relativo em relação aos países mais avançados em todas as dimensões da vida social.

Os “batalhadores”, como uma classe intermediária entre a “ralé” e as classes superiores, não possuem o acesso privilegiado aos capitais impessoais que são as bases do prestígio social das classes média e alta, o que faz com que a incorporação dos capitais econômico e cultural seja, nessa classe, restrito e limitado. São pessoas que fizeram escola pública ou universidade particular (no melhor dos casos), tendo de trabalhar paralelamente, muitas vezes, em mais de um emprego. Muitos trabalham entre 10 a 14 h por dia e não possuem o recurso mais típico das classes do privilégio que é o “tempo livre” para incorporação de conhecimento valorizado e altamente concorrido. Por outro lado, no entanto, esses “batalhadores” não se confundem com a “ralé” de desclassificados sociais entre nós porque possuem sólida “ética do trabalho duro”, que implica incorporação de disposições como disciplina, autocontrole e pensamento prospectivo. Muitos tiveram também famílias estruturadas – que são minoria na “ralé” – e apoio afetivo dos pais, ou, alternativamente, tiveram a possibilidade de uma socialização religiosa tardia – um pentecostalismo mais racional e menos “mágico” (a magia é a esperança dos que não tem futuro, diria o sociólogo francês Pierre Bourdieu) que o da “ralé”-, que lhes possibilitaram acreditar em si mesmos e seguir adiante apesar dos inúmeros obstáculos.

Em “A ralé brasileira”, você critica o fetiche “economicista” na interpretação da sociedade brasileira. Quais são os problemas dessa interpretação?

JESSÉ SOUZA: O mecanismo complexo que explica a existência das classes sociais é o segredo mais bem guardado de todas as sociedades modernas. Não só no Brasil, mas também na França, na Alemanha e nos EUA imagina-se, tanto no discurso de senso comum, quanto em boa parte daquilo que se passa por “ciência”, que se está em uma “sociedade de indivíduos” percebidos como “sem passado” e, portanto, “livres”, autônomos e, no jargão de hoje, “empreendedores de si mesmos”. É assim que as sociedades modernas se justificam como “igualitárias” e “justas”. Esse é, no fundo, um tipo de legitimação muito semelhante à de qualquer sociedade do passado, que legitimava privilégios ao dizer que estes eram “vontade de Deus”. Hoje a única efetiva diferença é que se legitima o mundo social ao se esconder a “origem social” de todo “privilégio individual”.

O pertencimento de classe tem que ser cuidadosamente escondido, posto que é ele que decide, em grande medida, o acesso privilegiado, desigual e injusto, a qualquer tipo de bem ou recurso escasso. Esses bens e recursos, que não precisam ser materiais como um carro ou uma casa, mas também podem ser, por exemplo, o tipo de mulher ou de homem que se consegue ter ou o tipo de reconhecimento social ou prestígio que se desfruta em todas as dimensões da vida. Tudo isso é definido, com alta probabilidade pelo menos e na imensa maioria dos casos, pela herança de classe – pela presença ou ausência relativa de capital cultural e capital econômico – na qual se é socializado.

A classe social, adequadamente discutida, permite vislumbrar a construção diferencial dos indivíduos pelas heranças típicas de cada classe, quebrando a ilusão do “homem universal”, como se os pressupostos para a competição social por recursos escassos fossem os mesmos para todos. Por conta disso, os interesses da reprodução de todo tipo de privilégio precisam ou tornar inofensivo ou ridicularizar o conceito de classe. Torna-se o conceito de classe inofensivo quando se liga, por exemplo, pertencimento de classe à renda, como vemos acontecer em todos os jornais e em todo o debate acadêmico e público brasileiro. O que essa associação arbitrária esconde é todo processo diferencial de gênese emocional, afetiva e cognitiva das classes e de sua reprodução no tempo, que permite reproduzir todo tipo de privilégio injusto indefinidamente. É essa “fabricação social” de indivíduos com capacidades diferenciais a partir do pertencimento de classe que tem que ser cuidadosamente escondida para que se possa falar mais tarde do “milagre do mérito individual” como justificativa de todo tipo de privilegio social.

Os discursos “eufóricos” sobre a ascensão econômica na base da sociedade podem acentuar o que você chama, em outro livro, de “invisibilidade da desigualdade brasileira”? Como se dá esse fenômeno da “invisibilidade da desigualdade”?

JESSÉ SOUZA: Como dito acima, a “invisibilidade da desigualdade” moderna exige que a realidade social, pretensamente justa e igualitária, seja compreendida de modo parcial e distorcido. A associação de classe à renda cumpre essa função à perfeição, posto que se traveste ainda de “conhecimento científico rigoroso”, pelo uso da estatística e do “número”, símbolos perfeitos, em uma sociedade que confunde informação com reflexão, da ciência transformada em fetiche. Mas entre nós esse discurso economicista só logra ser tão hegemônico, porque o próprio debate intelectual brasileiro dominante é, de fato, singularmente conservador e superficial. Esse ponto merece destaque, porque o debate intelectual é a primeira trincheira do debate político, dado que todas as idéias políticas hegemônicas dos últimos 200 anos foram, em primeiro lugar, formuladas por intelectuais antes de ganharem as universidades, a mídia, a esfera pública e o público em geral. O grande engano da ciência social ainda dominante no Brasil é imaginar o nosso país como uma sociedade pré-moderna, cuja hierarquia social seria fundada no capital social de relações pessoais ou no famoso “quem indica” do “jeitinho brasileiro”.

Essa é uma imagem infantil, superficial e conservadora, porque esconde toda a questão do acesso diferencial aos capitais impessoais, ou seja, aos capitais econômico e cultural, os quais dependem da herança de classe, e induz a pensar a desigualdade e a injustiça social brasileiras como atributos de um suposto “patrimonialismo” e “personalismo” de origem supostamente portuguesa e pré-moderna. Relações pessoais são muito importantes – na perspectiva do sucesso individual – no Brasil, na Alemanha, nos EUA e seria também em Marte ou Júpiter se lá houvesse gente e capitalismo. Relações pessoais podem ajudar a se conseguir um bom emprego no Brasil, nos EUA ou na China, mas não explicam por que as classes sociais se reproduzem,há tanto tempo, de modo tão desigual e injusto nem aqui nem em nenhum outro lugar do mundo moderno. A tal “sociologia do jeitinho brasileiro”, tão dominante nas nossas universidades, na mídia e nos botecos do Brasil inteiro, e que reduz um mundo complexo a relações pessoais e de amizade, é uma das causas principais da pobreza de nosso debate público, que jamais chega às causas reais de nossos problemas.

Na verdade, se pensarmos duas vezes, perceberemos, facilmente, que só tem acesso a “relações pessoais vantajosas” quem já possui capital econômico ou cultural em alguma medida. Ou o leitor conhece alguém com “ligações importantes” sem, antes, já ter tido capital econômico ou cultural? O olhar concentrado no capital social, como base da hierarquia social, “esconde” a questão mais importante – posto que condiciona a própria existência do “quem indica” como “capital” valioso – do acesso diferencial, determinado pela posição de classe, aos capitais “impessoais” econômico e cultural. Como a questão principal da “origem de toda desigualdade” é deixada às sombras, então se pode imaginar os problemas brasileiros como sendo produzidos pela “corrupção do Estado” – sem dúvida nociva, importante de ser combatida, mas longe de ser uma especificidade brasileira –, enquanto o mercado é percebido como “reino de todas as virtudes”.

A falsa oposição mercado virtuoso vs Estado corrupto ocupa o lugar de todos os conflitos sociais silenciados há séculos entre nós – alguns deles discutidos acima – e é a maior contribuição dos nossos intelectuais à invisibilidade da desigualdade brasileira. Irritante, no entanto, é que, quem repete essa visão frágil e conservadora de nossa realidade “tira onda” de crítico, como se estivesse desvelando e denunciando aspectos incômodos da nossa realidade. É isso que confere toda a “sofisticação, aura de virtude e poder de convencimento” a um tipo de interpretação anacrônica, frágil e em completo desacordo com o dinamismo de diversos aspectos – o mercado competitivo, por exemplo, que pressupõe a maior importância dos critérios impessoais sobre os pessoais para que exista uma economia dinâmica – da modernização brasileira.

Nos últimos anos, o estrato emergente da sociedade brasileira se transformou num “capital político” disputado por todos os partidos. Como ele pode obter participação política real?

JESSÉ SOUZA: Qualquer ação “articulada” ou com “consciência de classe” deste setor da nossa sociedade é improvável, dada sua enorme heterogeneidade. Mas é típico da esfera política – ainda que isto seja muito raro na realidade – transformar o possível em realidade, o inarticulado em discurso explícito e o sofrimento em esperança. Esta é a grandeza do debate político, infelizmente reduzido, quase sempre, à pura manipulação emotiva dos sonhos, medos, desejos e ressentimentos espalhados pela sociedade.

Dependendo de um contexto mais ou menos favorável para a articulação política de interesses reais, estão abertas, a meu ver, duas alternativas possíveis: a primeira é essa classe ser cooptada pelo discurso e prática individualista e socialmente irresponsável que caracterizam boa parte das classes dominantes no Brasil; a segunda alternativa é essa classe assumir um papel de protagonista e inspirar, pelo seu exemplo social, a efetiva redenção daquela classe social de humilhados sociais que chamo, provocativamente, de “ralé”. Muitos dos batalhadores que entrevistamos vinham, inclusive, da própria “ralé”, mostrando que as fronteiras entre as classes são fluidas e que não existem classes condenadas para sempre.

Você continua trabalhando num livro sobre as elites brasileiras? Quais são os principais aspectos dessa sua pesquisa sobre as elites?

JESSÉ SOUZA: Sim, este projeto existe e já estamos trabalhando nele há mais ou menos um ano. Nossa preocupação com estes dois estudos anteriores sobre as “classes populares” e com este agora que estamos fazendo sobre as classes média e alta no Brasil é compreender a “singularidade e complexidade da sociedade brasileira contemporânea”, evitando tanto a armadilha “economicista”, que associa classe à renda, quanto a armadilha “culturalista”, que vincula nossas mazelas e nossa abissal desigualdade social a um pretenso “mal de origem” imutável, que nos teria condenado, supostamente até hoje, a uma “pré-modernidade” do “jeitinho brasileiro” e das “relações pessoais”. Nesse sentido, procuramos, ao contrário desses dois esquemas dominantes, atentar para as pré-condições e necessidades objetivas do mercado competitivo moderno nacional e internacional, e como, a partir disso, as diversas classes sociais constituem pontos de partida distintos não só para o acesso aos bens materiais, mas também para fenômenos como auto-estima, reconhecimento social e prestígio diferencial em todas as dimensões da vida social.

A realidade social é “hierarquizada”, ou seja, existem questões importantes e secundárias. Para nós, a questão social mais importante é aquela que esclarece o segredo da “legitimação” do acesso privilegiado – o qual é, muitas vezes, também injusto – aos bens materiais e ideais que nós todos passamos a vida perseguindo. É essa legitimação do privilégio injusto que separa os felizes dos infelizes e que demarca as vidas bem sucedidas e prestigiosas daquelas vividas na humilhação e na sombra. Todas as outras questões são secundárias em relação a esta que perfaz o núcleo de nossa vida social. Estudar as classes do privilégio no Brasil é estudar, portanto, a forma específica como a dominação social moderna, que é opaca e sutil muitas vezes, se apresenta na nossa realidade. Essa é o nosso desafio e esta é a nossa ambição.

FONTE: Gal Santiago

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