A Força do Axé – Representação criminal contra agressões a comunidade do Terreiro de Mina no Maranhão

A assessoria jurídica do FERMA, Dr. Nonato Masson, protocolzou na última segunda-feira, 24/10/2011 representação criminal no Ministério Público Estadual contra a Igreja Assembléia de Deus pelas agressões a comunidade do Terreiro de Mina do Pai Lindomar Saraiva no Maranhão. O objetivo é a responsabilização desta instituição pelos desatinos de seus fiéis comum nos segmentos petenconstais e neopetencostais deste segmento religioso. “Está na hora de reagir a estes ataques, bem como aos espetáculos sinitros de purificação do demônio, nos shows de TV ditos cultos, através de pantomimas frenéticas direcionadas a deturpação dos cultos afrobrasleiros, realizados pelas Igrejas neopentencostais (midiáticas)”, diz o Coordenador Executivo do FERMA.

Segue abaixo a representação:

Exma. Sra. Dra. Procuradora de Justiça do Estado do Maranhão

LINDOMAR SARAIVA BARROS, Pai Lindomar de Xangô, brasileiro, casado, sacerdote, babalorixá do Terreiro de Mina Kwegbe-se Tó Vodun Badé So, residente e domiciliado na Rua Bom Jesus, nº 64, Anjo da Guarda, São Luís/MA, vem por meio de seu advogado in fine assinado apresentar

REPRESENTAÇÃO CRIMINAL

em face de membros da Igreja Assembléia de Deus, Área 75, a serem identificados, que congregam na Rua Costa Rica, Quadra 14, casa 16, Anjo da Guarda que com suas condutas praticaram os tipos penais do artigo 20 da Lei de Racismo, c/c art. 129 e 147 do Código Penal, o que faz na forma a seguir:

O Terreiro de Mina Kwegbe-se Tó Vodun Badé So cuja responsabilidade do ministério é do Pai Lindomar de Xangô, com título sacerdotal Baba-Vodun Maciledan, foi fundado em 23/03/1993 no bairro do Anjo da Guarda, é um terreiro de Mina e Candomblé, de matriz africana, descendente na tradição Mina do Terreiro do Egito e na tradição do Candomblé é descendente do Ilê Axé Opó Afonjá de Salvador/BA .

No mesmo bairro há um templo da Igreja Assembléia de Deus cuja responsabilidade do ministério é do pastor Antônio Joaquim, que em seus cultos e rituais vem sistematicamente desrespeitando as entidades ancestrais dos cultos de matriz africana (orixás, voduns, inquices, exus, pomba giras, caboclos …) identificando-as com uma entidade negativa no panteão cristão chamada de diabo ou demônio.

O estopim deste desrespeito se deu no cortejo em homenagem ao Divino Espírito Santo que os membros do Terreiro de Mina Kwegbe-se Tó Vodun Badé So realizam todos os anos, desde 1997, no mês de setembro nas ruas do bairro Anjo da Guarda. O cortejo conta com todo o ritual tradicional desta festa profano religiosa que é uma das mais populares do Maranhão num sincretismo de ritos de matriz africana e cristãos .

Neste ano o cortejo do Divino Espírito Santo, ocorreu em 17 de setembro, com cerca de 60 (sessenta) pessoas participando do ritual, e, no momento do “buscamento do mastro” foi tumultuado por um grupo de evangélicos, entre os quais duas senhoras, que apareceram com uma caixa de som e ao microfone bradavam que todos ali “estavam com o demônio”, numa referência a uma entidade negativa, representativa do “mal” na tradição cristã, que não existe na tradição de matriz africana.

As duas senhoras então passaram a distribuir panfletos da Igreja Assembléia de Deus e como ninguém recebia passaram a colocar os panfletos na roupa das pessoas que acompanhavam o cortejo, diziam que era para as pessoas “aceitarem a Jesus” e que iriam “expulsar o demônio que estava ali naquele momento” em atitude de total desrespeito ao culto ancestral de matriz africana.

Em dado momento uma das senhoras, a mais exaltada, avançou em direção à criança que representava a Imperatriz e além de agredi-la fisicamente arrancou-lhe a coroa na frente de sua mãe que a acompanhava. Esta senhora foi identificada apenas pela alcunha de “Irmã Bete” e a criança tem 03 (três) anos de idade, é filha do Pai Lindomar e de Wanderliza do Carmo Loureiro Silva e até o momento está abalada com o que ocorreu.

O fato foi registrado no 5º Distrito Policial do Anjo da Guarda e na Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (documentos em anexo).

A Constituição Federal de 1988 em seu artigo 5º garante a todos o direito à liberdade, incluindo aí as liberdades espirituais entre as quais a liberdade religiosa. O inciso VI dispõe:

“é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e sua liturgia.”

A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) promulgado pelo Decreto 678/1992 dispõe:

“Artigo 12-1. Toda pessoa tem direito à liberdade de consciência e religião. Esse direito implica a liberdade de conservar sua religião ou suas crenças, ou de mudar de religião ou de crenças, bem como a liberdade de professar e divulgar sua religião ou suas crenças, individualmente ou coletivamente, tanto em público como em privado.

(…)

Artigo 12-4. Os pais, e quando for o caso os tutores, têm o direito a que seus filhos ou pupilos recebam a educação religiosa e moral que esteja acorde com suas próprias convicções.

(…)

Artigo 13-5. A lei deve proibir toda propaganda a favor da guerra, bem como toda apologia ao ódio nacional e racial ou religioso que constitua incitação à discriminação, à hostilidade, ao crime ou à violência. “

O Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe que as crianças têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade, compreendendo o direito à liberdade de crença e culto religioso (artigos 15 e 16, III). Dispõe ainda o mesmo estatuto:

“Artigo 17 – O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.

Artigo 18 – É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.”

O constitucionalista José Afonso da Silva tratando da questão da liberdade de culto leciona :

“A religião não é apenas sentimento sagrado puro. Não se realiza na simples contemplação do ente sagrado, não é simples adoração à Deus. Ao contrário, ao lado de um corpo de doutrina, sua característica básica se exterioriza na prática de ritos, no culto, com suas cerimônias, manifestações, reuniões, fidelidades aos hábitos, às tradições, na forma indicada pela religião escolhida. Na síntese de Pontes de Miranda: “Compreendem-se na liberdade de culto a de orar e praticar os atos próprios das manifestações exteriores em casa ou em público, bem como a de recebimento de contribuições para isso”. A Constituição do Império não reconhecia a liberdade de culto com essa extensão para todas as religiões, mas somente para a católica, que era a religião oficial do império. As outras eram toleradas apenas ‘com seu culto doméstico, ou particular em casas para isso destinadas, sem forma alguma exterior de Templo’ (art.5º).

(…)

Diferentemente das constituições anteriores não condiciona o exercício dos cultos à observância da ordem pública e dos costumes. Esses conceitos que importavam em regra de contenção, de limitação dos cultos já não mais o são.

(…)

Enfim, cumpre aos poderes públicos não embaraçar o exercício dos cultos religiosos e protegê-los, impedindo que outros o façam.”

Desta forma, vê-se, que a conduta de alguns membros da Igreja Assembléia de Deus viola princípios constitucionais fundamentais, violando o direito humano à liberdade religiosa, à liberdade de credo e de culto. Ora, um estado democrático de direito em sua expressão de laicidade deve garantir o respeito à todas as religiões, garantindo condições para o pleno exercício de manifestação de fé, por isso nosso ordenamento jurídico criminaliza a conduta que obstrui o exercício deste direito.

Com suas condutas de praticar o preconceito de religião estes membros da Igreja Assembléia de Deus incorreram no crime tipificado no artigo 20 da Lei nº 7.716/89 (Lei de Racismo), devendo portanto serem identificados e exemplarmente punidos, não só no âmbito do Direito Penal, mas também na forma de punição e disciplinamento de seus fiéis estabelecida nos códigos de conduta da Igreja Assembléia de Deus.

Diante de todo o exposto Requeremos:

1) Que V. Exa se digne a requisitar que seja instaurado competente Inquérito Policial para apurar os exatos termos do cometimento do crime de racismo, em que membros da Igreja Assembléia de Deus do bairro Anjo da Guarda vem sistematicamente praticando, induzindo e incitando o preconceito de religião ultrajando as entidades e símbolos de uma religião de matriz africana e da violência contra a criança que representava a Imperatriz no cortejo do Divino Espírito Santo.

2) Que V. Exa. determine a notificação da Igreja Assembléia de Deus, através da autoridade eclesiástica competente, para que, respeitando suas normas internas e seu código de conduta próprio, proceda a sua investigação e ao final a determine a punição dos responsáveis pela prática delituosa.

No sentido de esclarecer como os fatos ocorreram apresentamos rol de testemunhas que poderão ser ouvidos em sede de investigação policial e poderão ser intimados no Terreiro de Mina Kwegbe-se Tó Vodun Badé So, na 2ª Travessa Bom Jesus, nº 05, Anjo da Guarda:

1- Pai Lindomar de Xangô;

2- Wanderliza do Carmo Louzeiro Silva;

3- Vodunsi Neto de Azile, coordenador executivo do Fórum Estadual de Religião de Matriz Africana, FERMA, Rua Alberto de Oliveira, 139, Liberdade;

4- Paulo Roberto Dumas, coordenador estadual de gestores de igualdade racial do Maranhão;

5- Euzébia Saraiva Barros;

6- Raimunda Gomes Costa;

7- Lucilângela Alves Viégas;

8- Filhos e filhas do Terreiro de Mina Kwegbe-se Tó Vodun Badé So que participam do cortejo.

Termos em que,

Aguarda providências, onidayô babá .

São Luís/MA, 24 de outubro de 2011

Nonnato Masson

OAB/MA nº 5.356

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