A história recente do Brasil em três atos

Eustáquio José – Um Brasil de Verdade

Existem várias formas de se contar uma história. Eu escolhi uma. Nem de perto é a mais suave, a mais cinematográfica, a que cabe no conto de fadas de um Brasil, sede de Copa do Mundo e de uma imagem festeira, simpática e amiga. Essa forma de contar a história poderá render muitas críticas por ser tão rude, por ser tão forte, por ser tão arisca, porém eu não abro mão de contá-la. Preciso fazer isso. Com o dever de indignação que um cidadão tem eu trago bem fortemente essa imagem e a história que está por detrás e vos pergunto: que país é esse? Independente de uma conotação esquerdista ou direitista, ou qualquer outra forma de percepção; independente de se você estiver no norte, no nordeste, no centro-oeste, no sul ou no sudeste. Não importa. Apenas leia o que é essa história e o que se tornou esse país.

Primeiro ato: menino negro, nu e preso num poste.

Menino negro, nu, espancado, embora tenha furtado e já ser visado na vizinhança, nada justifica uma selvageria e “justiça” com as próprias mãos. O que a sustenta? Por que esse tipo de justiça ganha apoio de mídias, da imprensa, de pessoas que se intitulam de “bem”?

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Segundo ato: jornalista morre, numa manifestação, depois de ser atingido por um rojão

Jornalista de uma emissora de televisão (Rede Bandeirantes) tem morte cerebral anunciada depois de ser atingido por um rojão numa manifestação. Ele, um cinegrafista, trabalhava na transmissão do protesto, de mais um protesto, quando foi atingido por um rojão. Mais uma vez nos deparamos com perguntas: por que ele? O que faltou na situação para que esses protestos não tivessem acontecido e o rojão não tivesse sido jogado e atingido esse cidadão trabalhador? Por que não conseguimos entender até onde vai essa grande e constante desigualdade que permite com que manifestantes e criminosos, policiais e criminosos, políticos e criminosos caminhem tão proximamente?

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Terceiro ato: jovem é assassinado em plena luz do dia.

O vídeo é forte e mostra uma execução em plena luz do dia. Uma execução com o elemento que ela tem de mais cruel que é a nula chance de defesa. O terror visto por qualquer pessoa demonstra que o “poder paralelo”, a força bruta, junto com a violência legalizada do Estado incidem sobre todos. O Estado violenta por sua polícia, mas também o faz não resolvendo a desigualdade, ou ainda nutrindo-a cada vez mais. Como mudar? Não há milagre e nem haverá! Eis o grande circo que é esperar que as pessoas que nos governam estejam efetivamente pensando em nós. Não estão. E essa cena parece ser sintoma de que todos estão olhando de fora, fazendo o que querem e pisoteando no social, enquanto as leis ainda discutem quem é sujeito e objeto do direito.

São três atos macabros desse país. São três fatos reais e medonhos de nossa realidade. Aconteceram todos essa semana. Todos estiveram próximos um do outro pela banalização da violência, do crime, do desfazer-se do outro. Os “justiceiros”, os executores e os “manifestantes” parecem pousar lado a lado dentro de uma mesma realidade. Os dias são sempre de absoluta incerteza em saber: o que poderá esse ser humano amanhã ?

Essa semana estive diante de uma tentativa de assalto perto de onde estava. O que houve? O de sempre: alguém arrasado pela droga querendo, com o crime, conseguir mais. Uma dupla sentença de marginalização para uma aplicação contumaz da lei. Preso antes de ser preso e a menina, a jovem que iria ser assaltada, assustada corajosamente conseguiu deter. Você vê algum mocinho nessa história? Eu vejo duas vítimas e uma situação cada vez pior nesse país: todos os pobres, negros são culpados. Toda a sociedade civil e comum é culpada. Todos os que não são ricos são culpados. Só esses. O bangalô e o suvenir são o crédito desses nossos dias: Brasil S.A. Como pensar e a quem punir?

“Perto de quem realmente manda, esses moleques estendidos no chão são tão perigosos quanto o Patati e Patatá.” – Por: Mariana Albanese

 

Fonte: Combate Racismo Ambiental

 

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