A homofobia cada vez que saio do meu mundo – por Catarina Corrêa

Sempre fui meio avessa às convenções e procuro evitar ao máximo espaços que me constrangem, como feminista, como mulher e como lésbica. E, cada vez que entro e saio involuntariamente da minha zona de conforto feminista, me surpreendo mais e mais — e novamente — com tudo.

São quatro casos recentes:

Meu tio. O podador dos meus cães. Meu vizinho. O marido de uma colega do trabalho.

Meu tio jogou, com força, uma bola na cabeça do filho, que ria de qualquer besteira, proclamando que o primeiro a dar a próxima risada aguda era bixa.

O podador dos meus cães se nega a colocar lacinho no meu cachorro macho, quando levo ele para tomar banho, porque gravata é mais apropriada.

Meu vizinho fala para o filho de três anos não chorar com a dor de um corte na mão, porque ele é homem.

O marido de uma colega recomenda ao filho de seis anos, com frequência, que ele honre as bolas penduradas no meio das suas pernas e, pede que a mãe não o abrace com frequência, para não levar o menino para o caminho errado.

Eu sei, infelizmente eu sei, são histórias comuns. Acontece que, na trajetória que escolhi para mim mesma, são coisas que vejo cada vez menos. Evito. É simples assim. Sei como são as pessoas e evito o contato. Me enerva, quando não me deprime. Aprendi com o tempo a controlar minha raiva, a ter paciência, a ponderar com calma, e o faço, nas situações em que posso. Opto em outras por me calar. Quando sei que não há espaço, quando acho que seria por demais embativa para ter qualquer conversa que pudesse mudar minimamente as coisas, me calo. Sou embativa quando acho que isso é necessário, mas fico assim, ponderando quando e como falar o que, diante dessas situações de violência.

Não desisti, mas acabei me distanciando involuntariamente de espaços que me causam esses sustos. Acho, no final das contas, que a vida é assim, que cada um procura, acha e permanece nos espaços que lhe são confortáveis.

No entanto, o mundo é machista, o patriarcado existe, e não me tranco em casa — e nem deveria! E, vez por outra, escuto casos como os acima. Todos casos de homofobia, todos rejeitando o homem que possa ser ou vir a ser homossexual.

Foto de Chad Santos no Flickr em CC, alguns direitos reservados.

Mas o óbvio tem que ser dito: a homofobia é filha do machismo. Ela é a aversão a tudo aquilo que não é próprio do macho, do homem, do masculino, em suma, do forte, do lider, do admirável. A homofobia se incomoda com tudo aquilo que transgride minimamente com a ordem tradicional da divisão de gênero. Inclusive a gravata do meu cachorro.

Nos momentos em que vivo meu mundo feminista, todas as denúncias jornalisticas, todos os casos, ainda que com pessoas próximas, parecem distantes, em causalidade. Quando respiro o mundo lá fora é que me lembro: são frases soltas, são violências pequenas, são esses os machismos todos que fazem do mundo que é, o mundo que é.

—–

Catarina Corrêa num passado longíquo, tinha um futuro brilhante, mas resolveu ser quem é para ver no que dá. Hoje, transita entre desenhar, construir contrapúblicos e ser uma pessoa séria. Escreve no blog Ser Kahlo.

 

Fonte: Blogueira Feminista

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