Brinsan Ferreira N’Tchalá, 20 anos, estudante pelo Prouni e cotista do terceiro ano de Direito na Unicuritiba, mostra como consegue transformar a opressão em esperança e poesia
por Leticya Nogarolli, do Foca na Web
Desde antes de nascer, ela já estava predestinada a ser uma ativista da causa negra. “Verdade arquivada” é o significado de Brinsan, o nome da jovem estudante de Direito, que também defende a causa feminista. Seus pais sempre envolvidos com a luta pelo respeito aos negros aguçaram sua percepção com relação ao racismo e outras formas de opressão. Daí que sua primeira grande conquista chegou já no ensino médio, quando percebeu que existiam aulas e homenagens às culturas japonesa e europeias, mas nenhuma sobre a cultura africana. Brinsan conseguiu então que se instaurasse na escola pública em que estudava, em Curitiba, uma semana voltada à promoção e homenagem da cultura afro-brasileira. A iniciativa recebeu prêmios e honrarias.
Seu pai, Francisco N’Tchalá, africano de Guiné Bissau, foi um dos fundadores do Movimento Negro de Curitiba, na década de 90. Organizou uma marcha que reuniu milhares de pessoas em protesto pelo assassinato de um jovem negro por neo-nazistas, aqui na capital. Sua mãe Cláudia Maria Ferreira, feminista, afro-brasileira, sempre a incentivou de várias formas a lutar pelo que é de direito.
“Estou numa faculdade particular e é raro ter mais algum negro na mesma sala que eu. Assim nós vemos como o racismo é uma grande forma de poder e algo estrutural na sociedade. Não são apenas xingamentos e ofensas que enfrentamos todos os dias.”
Conselheira da Rede de Mulheres Negras do Paraná, a estudante de Direito diz já ter sofrido assédios machistas e ao reagir, causava estranheza: era como se não pudesse achar ruim, já que é negra “deveria estar acostumada”. Além da hiperssexualização, atribuída com frequência às mulheres negras, conta que enfrenta bastante descrédito na própria faculdade, já que alguns alunos acham que ela — cotista e negra — não tem potencial e capacidade para tirar boas notas ou ler determinados livros. Brinsan faz questão de mostrar o contrário.
Bem humorada, cita o “teste do pescoço”— um exercício que permite a contagem de quantos negros e negras estão em uma sala de aula ou detêm cargos de prestígio em comparação com os que estão no setor de limpeza ou outras funções desvalorizadas pela sociedade. Diante disso, sua meta de vida é lutar contra qualquer tipo de opressão, racismo, machismo, homofobia, transfobia, ou seja, prezar e lutar pelos direitos humanos de pessoas que, segundo ela, “muitas vezes nem são reconhecidas como tal”.
“Temos que respeitar as diferenças, porque somos mesmo diferentes. Mas somos todos humanos que precisam de proteção. É sempre importante lembrar a diferença entre igualdade formal e material”.
Brinsan entende que viver em um país onde 70% das vítimas de assassinatos são negros, de acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) é “como ter uma arma constantemente apontada para a cabeça”. Mas, a estudante sabe que ainda “restam esperanças”. Uma das formas de manter essa esperança é, por exemplo, enxergar alegria na constatação da luta de muitos brasileiros contra a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que tramita agora no Congresso Federal pela diminuição da maioridade penal, medida que deve atingir ainda mais os jovens negros.
Para lutar de uma forma diversa e também expressar o que sente, há alguns anos começou a cantar e a escrever poemas sobre a opressão e outros tantos assuntos. Também faz parte de um grupo de dança que vai de escola em escola incentivando e ensinando a cultura africana. Exibe com orgulho um grande sorriso, um olhar que brilha ao falar sobre que acredita e um grande ideal. E este não está arquivado.