A pedra que destrói a infância

Fonte: Correio Brasiliense –

 

Curitiba e Montenegro – A uma hora da capital gaúcha, Porto Alegre, a cidade de Montenegro (RS), com 58 mil habitantes, foi dominada pelo crack. Pesquisa revelou que pelo menos 3% da população era usuária. Mas também foi de lá que partiu uma grande reação contra a perversidade da droga que envenenou a infância de tantos meninos na cidade. O chocante é que não é difícil encontrar histórias de garotos consumidos pela fissura por um pedra. Eles estão nas ruas do centro e das favelas. Meninos entre 9 e 18 anos que roubaram, assaltaram, mentiram e até se prostituíram.

Impressionam até as palavras usadas. Um vocabulário que não combina com o de um adolescente como G., 14 anos. “Nós manipulamos. Eu tirava dinheiro dos outros. Fazia tudo pela droga. Se precisava, me prostituía”, conta. O pai o colocou para fora de casa. Há adolescentes de classe média na mesma situação. Mas a maioria das vítimas do crack em Montenegro é de camada socialmente de risco: vem de famílias pobres e desestruturadas. Os meninos deixam suas casas e preferem se entregar à droga. Nesse mundo, só há espaço para dois momentos: o da fissura, que leva a planejar crimes para obter a droga, e o do consumo do crack, cujo efeito passa rápido, jogando o viciado novamente para a realidade de ter de se virar para conseguir mais dinheiro e comprar outra pedra.

Muitas vezes, entram na engrenagem do tráfico entregando e vendendo a droga para ter parte dela. “Atendi a um menino de apenas 9 anos, todo machucado e sujo. A mãe o trouxe desesperada depois de resgatá-lo da casa de traficantes. O menino tinha se submetido a ser saco de pancada para a diversão dos traficantes em troca de crack. Ele já não tinha mais dinheiro, nem nada para trocar. Disse, então, que podiam bater nele”, conta Maria Cristina Constâncio, coordenadora do Centro de Atendimento Psicossocial da Divisão de Narcóticos de Curitiba (PR) onde o problema também existe.

Por terem perdido a inocência tão cedo, muitos desacreditam na recuperação. Mas em Montenegro existe um trabalho pioneiro direcionado a resgatar a infância dos que foram manipulados pelo crack. O Retiro Comunitário de Reabilitação Ocupacional (Recreo), que até pouco tempo atrás só atendia adultos, abriu as portas para as crianças, num trabalho voluntário. Abriga meninos de rua que se drogavam. Mais que isso, desenvolve um trabalho de educação, amparo psicológico e médico a meninos e meninas. Também apoia as famílias que muitas vezes rejeitam os jovens.

“Estou descobrindo que posso ser diferente. Que existe um outro tipo de vida. O Recreo está me mudando e também conseguiu mudar meu pai. Ele não bebe mais”, conta L., 15 anos, cujo pai é alcoólatra. Os meninos do Recreo têm como monitores ex-pacientes que, recuperados há muitos anos, dedicam-se a ajudar os que estão passando pelo mesmo sofrimento que já enfrentaram. Os meninos podem sair quando quiserem. A maioria chega desconfiada e já pensando em fugir. Mas quando eles veem as portas abertas, a casa limpa, piscina, campo de futebol e livros, a maioria acaba ficando.

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