Brasileiro que coordena prevenção da Aids na Ásia elogia trabalho do Brasil

Fonte: G1

Fábio Mesquita trabalha em escritório da OMS nas Filipinas.
‘Não há dúvida de que haverá cura para Aids, só não se sabe quando’.


A ONU estabeleceu meta de acesso a prevenção e se está bem longe de cumprir porque o acesso à prevenção não é universal. Ou porque é criminalizado ou o que funciona não é acessível.

 

O Brasil tem a melhor estrutura para prevenção e tratamento da Aids entre os países em desenvolvimento das Américas, na avaliação do médico Fábio Mesquita, que coordena a prevenção da doença no escritório da Organização Mundial da Saúde (OMS) nas Filipinas.

 

Em entrevista ao G1, ele afirmou que um dos principais desafios em relação à doença no mundo é a criminalização das pessoas que usam drogas injetáveis e dos profissionais do sexo. Outra questão, segundo ele, é o acesso limitado ao tratamento da doença em vários países do mundo, situação que, segundo ele, não acontece no Brasil.

 

“Dos países em desenvolvimento da América você tem o Brasil, que tem 100% de acesso ao antiretroviral (medicamento usado para tratar a Aids), e Cuba”, afirmou Mesquita. O médico destacou ainda que o Brasil serviu de exemplo para o mundo ao estabelecer medicamentos genéricos para a Aids, o que reduziu o custo do tratamento.

 

Fábio Mesquita tem doutorado em saúde pública e é especialista em Aids. Coordenou a área de prevenção de Aids no Ministério da Saúde no começo da década de 90; voltou a atuar no departamento de Aids no ano 2000 e coordenou o programa de Aids na cidade de São Paulo na gestão de Marta Suplicy. Está há cinco anos na Ásia, sendo que os dois últimos em Manilla, nas Filipinas, onde coordena um dos escritórios da OMS no Sudeste da Ásia, em países como China e Vietnã.

 

Confira abaixo os principais trechos da entrevista.

G1- Nesta terça-feira (1º) é Dia Mundial de Luta contra a Aids. Quais são, na avaliação do senhor, os principais desafios relacionados à doença no mundo?

Fábio Mesquita – Eu acho que são vários aspectos. Talvez a coisa mais importante seja aceitar que essa é uma doença comportamental e uma doença da diversidade. Estou falando isso porque em vários países do mundo você ainda tem problemas com legislação. Em alguns países tem a lei da sodomia (que criminaliza o sexo anal), o sexo entre homens é proibido por lei, punido em alguns países. E tem o problema das pessoas que usam drogas injetáveis, com criminalização grande do comportamento de usar drogas. Afasta as pessoas de procurar prevenção, tratamento, questões que podem ajudar a controlar a epidemia. E os profissionais do sexo, que, em muitos países, são proibidos. Portar camisinha na bolsa é usado para punir. Esses grupos que são pessoas com risco elevado, ainda são muito estigmatizados. Há muito preconceito e são perseguidos em vários países do mundo.

 

G1 – Mas o que é feito nesses locais para prevenir a Aids?

Fábio Mesquita – A gente descobriu algumas coisas que funcionam, embora ainda não haja uma vacina. O uso de camisinha em todas as relações sexuais e a distribuição de seringas para quem compartilha são coisas que funcionam. Essas questões óbvias em termos de prevenção não são universais. Em vários países não se pode distribuir camisinha por causa da religião. Em outros, as autoridades consideram que distribuir seringas incentiva o uso de drogas. A ONU estabeleceu meta de acesso a prevenção e se está bem longe de cumprir porque o acesso à prevenção não é universal. Ou porque é criminalizado ou o que funciona não é acessível.

 

G1 – E como é o acesso ao tratamento da doença?

Fábio Mesquita – O outro problema é o acesso ao tratamento, o antiretroviral. O custo diminuiu muito. Em 1996, quando o coquetel foi lançado, o custo do tratamento por paciente anualmente era de US$ 2.200 a US$ 2.500. Hoje é possível tratar com U$ 136 dólares por ano com primeira linha de medicamentos.

 

Isso foi uma conquista da humanidade. O Brasil foi fundamental nesse aspecto porque estabeleceu os medicamentos genéricos para a Aids e foi copiado em todo lugar do mundo. Teve o papel de bancar essa política na década de 90. Mas só 46% das pessoas que precisam têm acesso, menos da metade. Apesar do custo baixo, não chega a quem precisa. A questão do acesso está ligada ao fato de que os sistemas de saúde não são homogêneos no mundo.

 

G1 – E como é essa situação no Brasil?

Fábio Mesquita – Todos os países têm indicadores e somente dois países nas Américas têm de 96% a 100% de acesso a tratamento. Considerando as nações em desenvolvimento. O Brasil tem praticamente 100% de acesso ao antiretroviral e outro país semelhante é Cuba. Mas isso não quer dizer que tenham nesses países acesso universal à prevenção, também se aplicam os princípios de criminalização. Mas de modo geral, a situação do Brasil é muito boa.

 

G1 – Em seu trabalho na Ásia, qual é o público alvo?

Fábio Mesquita – Eu coordeno a parte de população com maior risco à epidemias: usuários de drogas, trabalhadores do sexo, homens que fazem sexo com homens. Essas pessoas são o principal motor da epidemia. Principalmente os usuários de droga. A produção de heroína é muito grande.

 

G1 – E no Brasil, os usuários de droga também são um público muito vulnerável?

Fábio Mesquita – Aqui, na década de 90, os usuários de droga eram 30% no Brasil. Hoje caiu muito em função de medidas e do perfil da droga. Hoje em dia é raro uso de droga injetável no Brasil.

 

G1 – Doutor, e a cura da Aids. Está próxima?

Fábio Mesquita – Apesar de eu ter citado essas dificuldades, a epidemia global está estabilizada. Isso quer dizer que em alguns lugares diminuiu e em outros aumentou. Nos três últimos anos, está estável e isso significa que o acesso está aumentando e que a luta por acesso tem dado resultado. O que não se conseguiu avançar foi na vacina. Mas na ciência, não tem como prever quando vai acontecer. Pode acontecer em dois, cinco, dez anos. Mas não deixa de ser interessante que chegamos ao fim da primeira década desse século sem solução, embora tenha o controle. Não tenho dúvida de que vai chegar a cura, a humanidade caminha para isso. Só não dá para prever quando.

 

G1 – O fato da maior expectativa de vida dificulta a prevenção? As pessoas podem acabar achando que não é um problema?

Fábio Mesquita – Algumas evidências falam a favor dessa teoria e outras não. Se pegar o perfil global em homens que fazem sexo com homens, a maioria que se infecta são jovens. Até em locais onde essa epidemia já esteve controlada voltou a perder o controle porque essa geração não tem relação histórica com a de 30 anos. Isso tem impacto nesse sentido, não viram amigos morrendo. De outro lado, estudos mostram que pessoas que tomam medicamento são mais cuidadosas agora com a prevenção.”

 

G1 – No Brasil, segundo o governo, a Aids diminui em cidades maiores e cresce no interior. Isso é uma tendência mundial?

Fábio Mesquita – Sim, porque a informação sobre a prevenção não chega nos lugares menores, É uma tendência global e estamos fazendo estudo com o banco mundial só com megacidades e mostra que, embora com maior número de casos, as melhores estratégias de tratamento e prevenção estão nesses locais. Nas cidades pequenas não há a mesma mobilização, as ONGs não estão presentes.

 


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