Grande e portentoso o Plano BRASIL SEM MISÉRIA do Governo Dilma. Tenta complementar aquilo que, no Governo Lula, se chamou de programa de desenvolvimento social focado no combate à miséria e à pobreza. Ainda que, no conjunto, tais políticas guardem limites estruturais pelo convívio quase impossível em um cenário econômico de mecanismo com nítido corte liberal e excludente, e, ao mesmo tempo de mecanismos com fortes conteúdos equalizadores da riqueza social. O Plano tenta alcançar as dimensões da transferência de renda, de acesso a serviços públicos e de inclusão produtiva, e acaba por sugerir quem são os seus maiores beneficiários: crianças negras e pardas nordestinas.
Os recentes dados do Censo 2010 apenas confirmam uma constatação já longamente festejada: as condições de miserabilidade do Brasil têm cor, idade, e região geográfica. São 16 milhões de miseráveis, e destes cerca de 76% se concentram no Norte e Nordeste; entre os extremamente pobres, mais da metade tem menos de 19 anos; e 71% são negros. Das crianças e jovens que compõem a maior taxa de composição, cerca de 40% dos 16,2 milhões de extremamente pobres têm menos de 14 anos. O Plano também pretende incorporar as mais de 800 mil famílias abaixo da linha da pobreza que não recebem Bolsa Família simplesmente por não atenderem os critérios burocráticos.
Tínhamos um fosso e não conseguíamos trespassá-lo: a pobreza teria diminuído, mas a miséria continuava inatacável. O Plano vai tentar dialogar com a população que se situa na linha da extrema pobreza – estabelecida em R$ 70,00 da renda per capita familiar – e que não acessam os serviços públicos, muitas vezes, pela mera ausência de documentos e recursos próprios. Este fenômeno acaba por proporcionar a inexistência desta mesma população, comprometendo o discurso de igualdade dos indivíduos frente ao Estado.
O plano avança numa perspectiva de entender a pobreza para além da idéia dos conceitos de classe social, de povo e de massa, e se aproxima daquilo que estudiosos modernos estão apontando: a existência de uma parcela da população que se constitui numa multidão sem rosto que nem sequer existe para o Estado. O mecanismo de ir onde o povo está, parece ganhar eco para a efetividade da política pública. A estratégia da “busca ativa” onde a superação da ausência de informação e da acessibilidade aos serviços públicos passa a ser mediada entre um sujeito que precisa de incentivo para tomar os primeiros passos para exercerem sua cidadania e, um Estado que incorpora este mecanismo como parte fundamental da própria existência da política pública.
A utopia é o não lugar da miséria. Deste modo, a tentação utópica conspira para que algo que não existia tenha lugar como coisa realizada, tornando-se um não lugar construído e uma extemporaneidade. Que a sorte do plano encontre seu lugar histórico e que seja a realização da utopia como um não lugar da miséria.
Sérgio São Bernardo
Advogado Profesor da Uneb
Mestre em Direito Público UNB