Abdias Nascimento, o Leão Africano!

Nos ensina o Griot Abdias Nascimento: “Poucos brasileiros sabem (…) que pelo lado africano, o lado da senzala, somos os herdeiros de uma civilização que deu à luz o chamado mundo ocidental. Poucos sabem porque o fato foi escamoteado, distorcido e falsificado durante séculos, que a tão decantada civilização greco romana tem suas origens no Egito Antigo, um país africano, e que a civilização egípcia, por sua vez nasceu no coração da África”

Conversando com Bida Nascimento, filho de Abdias, perguntamos por uma citação. “Eu sou o Leão Africano!”. Abdias costumava exaltar essa frase enquanto jogava cartas. A figura do leão é emblemática por si só e não deve ser reduzida como um animal da savana africana. À essa mitologia guerreira se demanda a Tribo de Judá que fez a cabeça do mais famoso ‘Dread Lion’ de todos os tempos, Bob Marley. Ser “Dread Lion” ou usar ‘DreadLocks’ consiste numa filosofia de vida ou ‘lifestyle’ para assumir a própria etnia. Quando estamos vendo ‘rastas’ andando pelas ruas orgulhosos de seus cabelos e trejeitos podemos reconhecer que a autoestima de cada um desses cidadãos está preservada. Nisso se consiste a luta do Movimento Negro. Resgatar a autoestima das populações afrodescendentes de modo que a ampla maioria da população, no caso do Brasil, através de uma referência histórica passe à ser vista como protagonista da vida nacional.

Nesse trabalho de revisionismo, Abdias funda com sua esposa Elisa Larkin Nascimento o Instituto de Pesquisa e Estudos Afrobrasileiros (Ipeafro) em 1981 na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). A ausência de produção acadêmica e, consequentemente, de provocação na opinião pública sobre as experiências dos povos africanos e afrodescendentes, seja nas Américas ou na África, resultou num robusto material desenvolvido ao longo desses 36 anos de trabalho intelectual e artístico. Poderemos destacar as revistas “Thot” que acompanhavam o mandato parlamentar de Abdias, a coleção Sankofa, que na tradição dos povos Acã situados na antiga África Ocidental (atual Gana e parte da Costa do Marfim) eram formulados diversos Adinkras, onde o símbolo que ilustra o título dessa pesquisa é denominado SankofaGwa: “Nunca é tarde para voltar e buscar o que ficou para trás”. Por uma outra narrativa que englobe os povos de matrizes africanas para além do samba, futebol, cozinha e candomblé; o suplemento didático “A Linha do Tempo dos Povos Africanos” comprova tanto materialmente como dialeticamente, a existência da filosofia africana, a vanguarda nas artes, literatura, astronomia, medicina, engenharia e arquitetura. Devemos hoje procurar entender o porque associamos diretamente (bem como somente também) os reinados, dinastias, palácios e castelos à Europa.

Certamente causará estranhamento a afirmação de que o homem mais rico de todos os tempos foi simplesmente um africano reverenciado como Mansa Musa, Imperador da Mali. O certo seria estranhar porque até hoje a imagem que ficou incutida na mentalidade humana é que a África é um lugar permeado por doenças, guerras civis e miséria absoluta. Ao invés desse subdesenvolvimento intelectual, vamos começar a reconhecer a existência das universidades, centros culturais, museus, hospitais e pontos turísticos?

Acreditamos que essa seja a necessidade da implementação da Lei 10.639/03 que versa sobre História da África e dos africanos e sobre o papel do povo negro na formação da sociedade brasileira. No dia que cada cidadão afrodescendente souber de si e do seu mundo, poder se conectar com a diáspora e seu universo, a história no Brasil será outra frente à esse amplo contingente populacional unido e empoderado.

De forma boa, fica impossível falar de Abdias em poucas linhas. Para além da atuação acadêmica, ativista e parlamentar, Abdias também foi ator, dramaturgo, poeta, pintor e diretor. Convidamos todos para assistir o espetáculo “Abdias Nascimento, O Leão Africano!” que será realizado no próximo dia 18 de fevereiro de 2017, sábado, às 20h. Esse projeto faz parte da programação da VI Semana do Patrimônio Fluminense, onde o objetivo é ressaltar o patrimônio cultural imaterial. O sítio histórico do Cais do Valongo será o palco dessa apresentação aberta ao público de forma gratuita. Não seria possível sem o patrocínio da Sociedade de Promoção da Casa de Oswaldo Cruz e o apoio do Ipeafro, bem como o Ponto de Cultura Escola POP. Abdias vive! Axé!

*Paulo Mileno é ator e produtor cultural

*Walmir Junior é morador de Marcílio Dias, no conjunto de favelas da Maré, é professor, membro do MNU e do Coletivo Enegrecer. Atua como Conselheiro Nacional de Juventude (Conjuve). Integra a Pastoral Universitária da PUC-Rio. Representou a sociedade civil no encontro com o Papa Francisco no Theatro Municipal, durante a JMJ

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