Afro-futurismo tenta aposentar ideia dos negros exotizados

Por: SILAS MARTÍ

Kiluanji Henda e Nástio Mosquito, angolanos que estarão na Bienal de São Paulo, propõem nova imagem da África

Afro-futurismo tenta aposentar ideia dos negros exotizados e retrata loiros, cultura pop e viagens espaciais

Uma enorme barragem bloqueia a vista da baía de Luanda. Tratores estão aterrando o mar para alargar uma avenida da cidade. Lufadas de pó vermelho sublinham a cacofonia de britadeiras, guindastes e apitos.

Empreiteiras derrubam o que sobrou da era colonial, esqueletos de prédios e casarões retalhados por décadas de guerra, para erguer uma nova capital angolana. São torres que formam outra paisagem, espécie de Dubai africana, movida a petrodólares.

Nesse cenário, artistas angolanos tentam digerir o passado sem saber imaginar um futuro. Chamam de “afro-futurismo” a estética que surge do descompasso entre o fim das guerras e a reconstrução.

“É ficção científica feita na África por africanos”, diz Kiluanji Kia Henda, angolano que expõe na Trienal de Luanda, mostra que começa em duas semanas, e também na próxima Bienal de SP, que começa em 25 de setembro. “Vou contra esses estereótipos de um continente do passado.”

Difícil imaginar ficção científica num país onde água tratada e energia elétrica ainda são coisas da elite.

Menos ainda uma mostra de arte contemporânea com a ambição do festival que começa agora, com Kia Henda entre seus artistas de ponta. Mas sua obra parece abraçar essas contradições.

Transforma a herança do domínio português e resquícios da presença russa no país em fábula de conquista espacial, em que Angola leva o primeiro homem ao Sol, batendo a viagem sessentista à Lua.

Na maquete que montou para a Bienal, o mausoléu construtivista onde está o corpo de Agostinho Neto, primeiro presidente do país, vira um foguete apontado para o astro no céu. Um cinema português abandonado, de formas modernistas, funciona como planetário bizarro.

“É a possibilidade de resgate de um passado recente, desbravar o choque entre capitalismo e comunismo”, diz Nástio Mosquito, outro angolano escalado para a Bienal de São Paulo. “São as emoções orgânicas de um lugar não definido, onde você decide se quer ser um filho da puta ou um homem decente.”

Mosquito ironiza essa dicotomia nos vídeos que faz.

Contrapõe imagens de uma África pop traduzida por Hollywood à realidade dos conflitos de raça e domínio colonial vivida em Luanda.

“Somos consequência desse mundo contemporâneo”, afirma. “Mostro como identificam o exotismo no africano e como isso propagou a imagem do negro, do preto, do tribal, o que constrói todo o preconceito.”

NOVA ESTÉTICA

Na ânsia de desbancar essa imagem da África, fotógrafos de Luanda buscam referências mais cosmopolitas. “Minha geração é a primeira pós-independência”, diz Cláudio Rafael, fotógrafo que está na Trienal de Luanda.

“Tem a obrigação moral de criar novos padrões estéticos, herdou esse peso.”

Talvez por isso, Rafael nunca fotografa Luanda.

 

Seus modelos são quase sempre brancos, posando em estúdios imaculados, que em nada lembram os becos e vielas encardidos de sua cidade.

 

Fonte: Folha de S.Paulo

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