Afrojob: empreendedoras apostam em tranças e turbantes para abordar identidade e resistência do povo negro

Na terceira edição da série especial sobre afroempreendedorismo, G1 apresenta mulheres que fazem a cabeça das pessoas.

no G1

Do Nordeste de Amaralina a Dublin, na Irlanda, com escala no bairro do Santo Antônio Além do Carmo, a terceira edição do Afrojob conta a história de duas afroempreendedoras que mexem com a cabeça das pessoas: a trancista Gilselene Araújo e a “turbanteira” (assim ela gosta de ser chamada) Thaís Muniz.

Giselene Araújo — Foto- Itana Alencar:G1

O Afrojob trata sobre o afroempreendedorismo em Salvador. Você vai conhecer, todos os meses, histórias de pessoas negras que comercializam produtos e serviços voltados para a população preta.

Mulher preta, moradora do Nordeste de Amaralina, Gilselene, 22, sempre precisou abrir portas na “marra”, mesmo dentro de casa. Ela usa tranças desde a infância, mas precisou aprender a fazê-las sozinha depois que esbarrou na resistência da mãe, que a convenceu a alisar os cabelos para uma festa de 15 anos.

“Dentro do padrão imposto naquela época, para minha mãe não seria legal uma jovem debutante com o cabelo trançado. Tentei resistir de todas as formas, porém, como a adolescência é uma fase em que conta muito a opinião dos outros, principalmente da nossa mãe, eu acabei permitindo”, contou.

“Eu nunca me adaptei ao padrão da sociedade. De repente, me vi necessitada de algo que me afirmasse, foi então que soube da possibilidade de mudar dentro daquilo que me pertence. Então, as tranças, para mim, é pertencimento”, diz Giselene.

O episódio dos 15 anos foi um marco na vida de Gilselene. A partir daquele momento, decidiu que jamais voltaria a alisar o cabelo, e assim o fez. Entre erros e acertos, ela começou a trançar o cabelo de amigas e amigos do bairro e assim foi aprimorando aquela que viria a se tornar a forma de ganhar a vida.

Giselene Araújo — Foto- Itana Alencar:G1

Há três anos, ela abriu o Studio Preta Que Trança, que funciona no Nordeste de Amaralina, onde ela mora, em um espaço anexo ao local onde vive com o filho Rafael, de oito meses. Para tocar o negócio, fez um curso de administração, fundamental para melhorar a relação com o dinheiro.

“Hoje, para mim, o cabelo afro, as tranças, é a minha maneira de ganhar a vida. Eu saí da casa da minha mãe, eu moro com meu filho, me sustento das tranças, então a importância de empreender está nisso, em você conseguir ter a sua renda fazendo o que te faz bem. Isso para mim é motivo de muito orgulho”, afirma.

Gilselene não sabe ao certo quantos estilos de trança já fez na cabeça das pessoas que passam pelo salão, mas estima que seja algo em torno de 80, sendo que, muitas vezes, o cliente chega com uma ideia diferente de tudo que ela já viu e acaba saindo do salão com um penteado personalizado.

Um penteado, quando mais sofisticado, pode durar até oito horas. Entre uma trança e outra, Gilselene aproveita para conversar com os clientes sobre questões como identidade e resistência.

“As tranças têm muita história na diáspora negra, que é de onde eu tiro minha maior inspiração e fonte de propriedade para trabalhar. Então, não é só pesquisar o modelo que está em tendência no momento. É entender de onde veio aquilo”, destaca Giselene.

Nordeste de Amaralina, Salvador — Foto- Itana Alencar:G1

“As tranças nagô, por exemplo, têm toda uma carga. Elas eram utilizadas antigamente pelas mulheres negras para mapear o espaço da fuga. Quem diria que aquele desenho elaborado seria uma maneira de resistir? Quanto mais eu me aproprio da minha história, mais eu me apaixono por ela”, explica.

Um dos maiores desafios de Gilselene é expandir o trabalho para além dos muros do Nordeste de Amaralina. Ela costumava visitar alguns clientes em casa, mas, pela necessidade de estar sempre perto do filho que ainda não completou um ano, hoje só atende no salão. E aí é necessário lidar com a resistência das pessoas que têm receio de ir ao Nordeste de Amaralina, uma comunidade pobre de Salvador.

“Eu tive que adaptar o meu trabalho à minha vida de mãe solteira. Todas as meninas e meninos que vêm aqui conhecem Rafa, que é o xodó, porém, para mim, é difícil, é complicado lidar com essa demanda de duas funções ao mesmo tempo, porém é a maneira que eu tenho para viver”, explicou Gilselene.

Turbante-se, de Thaís Muniz — Foto- Valma Silva:G1

Turbante-se

Há sete anos, Thaís Muniz largou o emprego em um programa de TV e outro em uma revista de moda para se dedicar aos turbantes. Com a participação em workshops cada vez mais frequente, ela decidiu parar de pedir folgas e criou a marca Turbante-se, hoje referência para quem deseja conhecer mais sobre o acessório.

Natural de Feira de Santana, Thaís se formou em design, mas já não estava satisfeita com a profissão quando mergulhou a fundo na história dos turbantes, estudando não só as diversas formas de executá-los nas cabeças de mulheres e homens, mas também a própria história.

Thais Muniz — Foto- Valma Silva:G1

“Tudo o que estava na internet sobre a história dos turbantes, eu não conseguia relacionar com a minha própria história. Então, isso foi uma abertura para eu começar a entender sobre militância negra, me tornar mulher negra, de fato”, conta Thaís.

“Isso foi uma mudança muito forte de posicionamento. E também de conseguir me comunicar com outras mulheres negras de uma forma bem direta, que a gente tem essa necessidade de empoderar outras mulheres, de trazer uma estética afrocentrada para essas mulheres”, afirma.

A maior parte dos pequenos negócios na Bahia são tocados por mulheres. Elas representam mais da metade (53,4%) dos 430 mil microempreendedores do estado, de acordo com dados do Serviço de Apoio a Micro e Pequena Empresa (Sebrae-BA).

O turbante chegou ao Brasil por meio de mulheres africanas que foram trazidas escravizadas, e elas usavam longe da terra natal como forma de legitimar os costumes. Usar o adereço nos dias atuais, portanto, não deixa de ser um elo dos negros com o passado, caracterizando uma forma de resistência.

Thaís Muniz largou o emprego em um programa de TV e outro em uma revista de moda para se dedicar aos turbantes — Foto- Valma Silva:G1

O uso do turbante enquanto elemento de identidade da cultura negra, e não apenas como um acessório de moda, é uma das bandeiras levantadas por Thaís nos workshops.

“Muitas pessoas acabam se interessando pela perspectiva da moda, não estão tão ligadas na relação da ancestralidade ou da cultura, estão interessadas na questão da tendência, do visual”, conta.

“Para mim é muito interessante, porque eu sempre falo que os turbantes são essa porta de abertura de diálogo, então eu consigo falar sobre ancestralidade, consigo falar sobre arte, consigo falar sobre política, sociedade”, explica.

Depois de expor o trabalho em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, Thaís Muniz arrumou as malas e, em 2014, mudou-se para a Irlanda, inicialmente para aprimorar o inglês, mas depois decidiu fixar residência – entre Dublin e Londres, na Inglaterra.

Depois de expor o trabalho em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, Thaís Muniz arrumou as malas mudou-se para a Irlanda — Foto- Valma Silva:G1

Com workshops, ela já passou por diversas cidades da Europa, entre elas Paris, Berlim, Madrid e Lisboa, levando os elementos da cultura afro-brasileira através dos turbantes.

“Eu sempre gosto de mostrar a relação que o turbante tem para mim, para a minha cidade, para o meu país, e isso acaba se encontrando com outras partes do mundo”.

Thaís também teve a oportunidade de expor o trabalho em Los Angeles, em uma mostra de arte contemporânea da Bahia, ao lado de nomes consagrados, como Goya Lopes, Mestre Didi e Pierre Verger.
Embora esteja fora do Brasil há quase cinco anos, Thaís gerencia as atividades da Turbante-se e tem como planos para o futuro escrever um livro sobre turbantes e criar um clube de assinatura de lenços.

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