Recentemente a lei de alienação parental foi revogada no México por ser considerada inconstitucional. Esse conceito de alienação parental busca velar a discriminação existente contra mulheres nos processos judiciais. Essa discriminação acaba por forjar um álibi para violadores de mulheres e crianças, deixando vítimas de violações em total desproteção, especialmente quando esse pai possui bons advogados e boa orientação de como deve agir no processo, passando muitas vezes a ser visto como vítima da situação.
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Com a atual legislação, o pai encontra vantagens na disputa judicial acerca da guarda, visitas e pensão alimentícia dos filhos, pois lançará mão, se entender necessário, dos argumentos relativos à alienação parental, mesmo que muitas das vezes não tenha registrado ou procurado os filhos e, ainda, os tenha violentado.
Os pais normalmente possuem maior capacidade emocional nos litígios, assim como maior poder econômico-financeiro de custear um processo judicial (ao mesmo tempo que, paradoxalmente, alegam não possuir condições para pagar uma pensão alimentícia adequada à criança). Possuem em geral vantagem sobre sua vítima em testes psicológicos, já que a criança e/ou a mãe são as que foram traumatizadas pela violência, podendo assim apresentar alguns sintomas.
E ainda possuem a capacidade de “dizer o que deve ser dito” aos peritos judiciais que não conseguem avaliar devidamente as situações em uma única entrevista, agindo na maioria das vezes mais como investigadores da suposta alienação parental, do que como profissionais que buscam verificar a violência a qual a criança ou a mãe foram submetidas.
Considerando ainda que em nossa sociedade, basta um pai desejar a guarda para ser visto como um homem maravilhoso e um ótimo pai, enquanto a mulher que não detém a guarda é vista com desconfiança. Se o homem erra, ele está tentando e irá aprender. Se a mãe erra, não será considerada uma boa mãe e poderá ser punida.
O pai violador tem poder de manipular e intimidar as crianças a respeito das declarações a serem prestadas, entretanto em geral as mães é que são vistas como manipuladoras pois “inventam” as violências.
Na análise da prova, em geral se conta somente com um perito em alienação parental conforme previsto em lei, mas deveriam ser dois peritos, sendo um deles experto em violência intrafamiliar. E ainda, quando a defesa utiliza o argumento de alienação parental no processo de família, o que acontece é o arquivamento dos processos criminais e descrença na palavra das vítimas.
Muitos homens que cometem violência são hábeis em se apresentarem como pais carinhosos, cooperativos, apontando a mãe como uma incitadora de conflitos, impulsiva ou excessivamente protetora, quando não solicitam laudos buscando questionar a saúde mental dessas mães.
As mães em geral são ofendidas deliberadamente nestes processos judiciais.
E quando qualquer desvio comportamental é apontado nos laudos já se entende como um motivo para retirar a criança dessa mãe, desconsiderando que o desequilíbrio ocorre justamente em decorrência das violências sofridas por essas mulheres, direta ou indiretamente (através da violência sofrida pelos filhos em comum).
A comprovação da violência sexual contra menores, ou até a violência física e emocional são muito difíceis, conforme foi verificada na pesquisa realizada nos Tribunais Portugueses que identificou que a maior parte dos abusos sexuais são praticados em ambiente familiar, pelo pai ou outros membros masculinos da família, e muitas vezes não deixam marcas físicas no corpo da criança, detectáveis em exames de medicina legal.
Na mesma linha contamos com os registros policiais de violência sexual no Brasil ou o Disque 100, onde 70% a 80% dos casos de violência contra crianças e adolescentes ocorrem no âmbito familiar, sendo os pais, seguido dos padrastos, os principais violadores. Exatamente por isso a jurisprudência nacional é clara em valorizar a palavra da vítima em crimes sexuais. Difícil assim compreender, considerando a existência desses dados, porque os psicólogos, assistentes sociais, promotores de justiça e juízes são tão resistentes em aceitar esta triste realidade social, culpabilizando as mães que denunciam as suspeitas de violações.
Os métodos são ineficientes e geralmente fazem uso de acareação, métodos coercitivos, intimidadores às vítimas menores de idade, como se estivessem tratando com adultos, na maioria das vezes, produzindo a falta total de confiança da criança com os profissionais, buscando muitas vezes a retratação.
O fato é que internacionalmente já se reconhece que em razão do ambiente, dos métodos, da própria cultura da naturalização da violência, da discriminação e da morosidade, ainda ocorre a falta de provas evidentes, se aplicando o in dubio pro reo, o que não significa não ter ocorrido a violência, mas sim que o método, o ambiente e o pré-conceito advindos dos profissionais contribuíram para tal resultado.
Enquanto os Tribunais exigem das vítimas materialidade de provas para garantir a certeza sobre a denúncia, o mesmo não ocorre na acusação de alienação parental, promovendo uma desigualdade.
A dificuldade da prova não significa que a mulher deve ser responsabilizada pela denúncia, já que é dever estabelecido no Estatuto da Criança e Adolescente (ECA). Quando uma mãe não denuncia e se descobre a violência, o Poder Judiciário não vacila em condenar a mãe “conivente” muitas vezes pelo mesmo tipo penal do violador. É um paradoxo.
A lei de alienação parental transforma a denúncia em um calvário para a vítima, invertendo o papel do algoz. A falta de neutralidade da norma gera efeitos discriminatórios diretos e indiretos contra as mulheres, reproduzindo estereótipos de gênero em prejuízo das mulheres, onde qualquer mulher é vista como alienadora perante o juízo – juízo este que deveria proteger a mulher e as crianças, pois são os sujeitos em maior vulnerabilidade social.
As premissas que nortearam a Lei da alienação parental estão equivocadas. O “pai” da Síndrome da Alienação parental Richard Gardner “pensava” e “escrevia” como um pedófilo. Tanto que atualmente os seus seguidores têm falado somente em alienação parental, sem falar mais em síndrome. Isso não muda a base tendenciosa dessa criação.
A comunidade científica internacional observou que os métodos de Gardner para determinar a veracidade de uma alegação de abuso são seriamente tendenciosos a favor do acusado de violência sexual infantil. Gardner considerava que as atividades sexuais entre adultos e crianças fazem parte do repertório natural da atividade sexual humana e sugere que a pedofilia pode aumentar a sobrevivência da espécie humana servindo para “propósitos procriativos”. Portanto, os escritos de Gardner e o testemunho de especialistas costumam beneficiar os acusados de violentar as crianças, ao invés de proteger as crianças envolvidas nesses casos.
As mulheres brasileiras e seus filhos necessitam de justiça, e acima de tudo que os operadores do direito e profissionais forenses devolvam e garantam sua dignidade humana e sua liberdade, assim como de seus filhos.
Direitos humanos estes estabelecidos e invioláveis nas cláusulas pétreas da Constituição Federal, do Estatuto da Criança e do Adolescente e em Convenções Internacionais de Direitos Humanos que o Brasil ratificou. Muitas perderam a guarda, muitas não convivem com seus filhos e são obrigadas a permitir que seus filhos passem finais de semana com o pai violador. Precisamos repensar essa Lei, pois já existe um projeto de Lei prevendo a criminalização de mulheres que denunciam violência sexual.
Eu pergunto: por que tanto interesse em criminalizar as mães que buscam proteger seus filhos?
Rubia Abs da Cruz é mestre em Direitos Humanos – UniRitter Laureate International Universities – Bolsista CAPES. Coordenadora Nacional CLADEM Brasil – Comitê Latino Americano e do Caribe em Defesa dos Direitos das Mulheres.
Referências consultadas:
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Pepiton, MB; Alvis, LJ; Allen, K; Logid, G. (2012). Is Parental Alienation Disorder a Valid Concept? Not According to Scientific Evidence. A Review of Parental Alienation, DSM-5 and ICD-11 by William Bernet. Journal of Child Sexual Abuse, 21 (2): 244-253.
Przekop, Mary (2011) “One More Battleground: Domestic Violence, Child Custody, and the Batterers’ Relentless Pursuit of their Victims Through the Courts,” Seattle Journal for Social Justice: 9(2), artigo 14.
Disponível em: http://digitalcommons.law.seattleu.edu/sjsj/vol9/iss2/14
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http://emporiododireito.com.br/tag/juiza-maria-clara-sottomayor/