Aluna é punida após denunciar estupro em universidade nos EUA

Antes que pudesse se mudar para um dormitório na Brigham Young University ou se inscrever nos cursos do primeiro ano, Brooke teve de assinar o Código de Honra da faculdade, no Estado de Utah (oeste dos EUA).

no UOL

Uma espécie de bússola moral e também um contrato, o código é um elemento essencial na vida de quase 30 mil estudantes dessa universidade dirigida por mórmons. Ele orienta os alunos, os professores e os funcionários para “virtudes morais incluídas no evangelho de Jesus Cristo”, valorizando a castidade, a honestidade e a virtude.

Ele exige trajes discretos no campus, desestimula o sexo consentido fora do casamento e, entre outras coisas, proíbe o consumo de bebidas e drogas, intimidades homossexuais e indecências, assim como má conduta sexual.

Mas depois que Brooke, 20, relatou à universidade que um colega a havia estuprado no apartamento dele, em fevereiro de 2014, ela disse que o Código de Honra se tornou um instrumento para puni-la. Ela contou à universidade que havia tomado LSD naquela noite, e também que tivera um encontro sexual anterior com o mesmo aluno que supostamente a coagiu.

Quatro meses depois de denunciar o ataque, ela recebeu uma carta do reitor associado de estudantes.

“Você está sendo suspensa da Universidade Brigham Young por ter violado o Código de Honra, incluindo o uso continuado de drogas ilegais e sexo consensual, com efeito imediato”, dizia a carta.

Nas últimas semanas, Brooke e algumas outras alunas se manifestaram, primeiro em uma conferência de conscientização sobre o estupro e depois no jornal “The Salt Lake Tribune”, para dizer que depois que fizeram queixas de abuso sexual elas enfrentaram investigações pelo Código de Honra sobre se haviam consumido álcool ou drogas, ou feito sexo consentido.

“Eles me trataram de uma maneira anticristã, como se eu fosse uma pecadora”, disse Brooke, que concordou em ser identificada só pelo prenome. “Não havia perdão ou compaixão.”

Seus relatos causaram um debate nacional sobre o tratamento desigual dado às mulheres que relatam abuso sexual neste campus de orientação religiosa, que recebe estudantes mórmons do mundo inteiro. Aqui as saias devem cobrir os joelhos e as barbas são proibidas.

As queixas das mulheres chamaram a atenção para como a universidade lida com esses casos, enquanto também tenta respeitar o código moral que ocupa o centro de sua identidade.

A política da Brigham Young sobre má conduta sexual pede que os alunos se apresentem mesmo que tenham infringido as regras universitárias. A universidade diz que investiga plenamente as denúncias de agressão sexual, mas que também tem a obrigação de processar a má conduta de acordo com o Código de Honra.

Segundo a política de má conduta sexual, as violações de seu código, que desestimula o sexo consensual, não estão isentas de escrutínio.
Kim Raff/The New York Times
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Madi Barney diz que foi investigada pelo Código de Honra da Brigham Young University após denunciar seu estupro

“A Universidade Brigham Young se importa profundamente com a segurança de nossos alunos”, escreveu em um e-mail a porta-voz da instituição, Carri Jenkins. “Quando uma aluna relata uma agressão sexual, nosso principal enfoque é para o bem-estar da vítima.”

Às vezes, porém, “surgem evidências de que a vítima já havia se envolvido em violações do Código de Honra”, disse ela.

Enquanto as recentes queixas sobre a universidade vieram de alunas mulheres, a instituição diz que todos os estudantes devem seguir o Código de Honra “a todo momento”, dentro e fora do campus. Qualquer potencial violação que chegue à atenção da universidade pode ser investigada, disse ela.

Depois das queixas das alunas, a universidade anunciou na semana passada que vai rever sua atuação nas denúncias de agressão sexual.

A universidade disse que não pode falar sobre casos específicos, citando leis federais de privacidade. Segundo Brooke, a universidade lhe disse que estava investigando a denúncia de agressão, mas ela deixou a universidade depois de sua suspensão.

A jovem disse que não apresentou queixa criminal, mas foi entrevistada pela polícia depois que deixou a cena, segundo um relatório da polícia.

Alguns especialistas em direito e questões de gênero em campus universitários disseram que a abordagem da Brigham Young é perturbadora. Os casos provocaram uma torrente de críticas online, assim como um protesto no campus este mês.

Segundo peritos, o medo de ser investigados ou suspensos ou de perder uma bolsa pode levar os estudantes a deixarem de relatar ataques sexuais à universidade, potencialmente permitindo que os agressores escapem à disciplina do campus.

“Você está criando uma indisposição sistêmica ou uma barreira para que as vítimas se apresentem e tenham acesso aos recursos da universidade, por medo de serem punidas”, disse Brett A. Sokolow, diretor-executivo da Associação de Administradores do Título 9 (nome da lei federal que proíbe a discriminação sexual na educação).

Muitas outras faculdades, seculares e religiosas, têm “cláusulas de anistia” que protegem as vítimas que poderiam enfrentar problemas por infrações relacionadas a seu ataque, como ter consumido droga ou bebida em um dormitório.

No ano passado, o Estado de Maryland aprovou uma lei que protege os estudantes que relatarem ou testemunharem agressões sexuais de ser acusados de violar regras sobre álcool e drogas.

“Todas as escolas, incluindo a BYU, sabem que álcool e drogas com frequência estão envolvidos na violência sexual”, disse Adele P. Kimmel, advogada da Public Justice, uma organização sem fins lucrativos que defende casos de justiça social.

“Se você é uma escola e quer mandar uma mensagem aos alunos de que fala sério sobre evitar a violência sexual, você deve ter uma política de anistia.”

Madeline MacDonald, segundanista na Brigham Young que estuda ciência da computação, não hesitou em procurar a universidade em dezembro de 2014, depois que um simples encontro combinado em uma rede social se transformou em ataque sexual, segundo ela.

MacDonald, que concordou com a divulgação de seu nome completo, disse que o homem –que não era aluno da BYU– a levou até um lugar fora do campus, despiu-a, agarrou-a e se masturbou encostado nela, mesmo depois de ela dizer “não” diversas vezes.

No dia seguinte, segundo MacDonald, ela foi ao escritório da Título 9 na faculdade, que recebe queixas de agressão sexual, e fez um relato detalhado do que tinha acontecido. Ela soube que uma investigação foi aberta pelo escritório do Código de Honra da universidade naquele mesmo dia.

“Fazia duas semanas que eu não tinha ideia do que estava acontecendo e ninguém falava comigo”, disse ela.
Kim Raff/The New York Times
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Protesto nos portões da Brigham Young University pela maneira como a instituição reagiu às denúncias de estupro feitas por algumas estudantes

MacDonald disse que a universidade tinha concluído afinal que ela havia sido agredida sexualmente e ofereceu serviços de apoio. Separadamente, ela recebeu um telefonema dizendo que não enfrentaria sanções disciplinares pelo Código de Honra.

A Brigham Young sempre pareceu o caminho natural para MacDonald, que cresceu em Seattle. Em sua família há ex-alunos da instituição, que a acordavam com a canção da torcida esportiva da universidade.

Ela disse que decidiu continuar na Brigham Young, apesar de sua experiência, mas que “essa é realmente uma péssima política”.

O Departamento de Educação federal [ministério] exige que as universidades garantam que suas políticas disciplinares não inibam os estudantes de relatar agressões sexuais. As políticas também devem lembrar aos estudantes que o uso de álcool ou drogas não é um convite à violência sexual, segundo o órgão.

Madi Barney disse que ficou tão temerosa de enfrentar as sanções do Código de Honra em Brigham Young que esperou quatro dias, em setembro, para procurar a polícia de Provo e relatar que tinha sido estuprada em seu apartamento fora do campus por um homem que ela conhecia, mas não era estudante.

“Eu só me lembro de chorar e dizer ao policial que não podia falar mais porque a universidade me expulsaria”, disse Barney, 20 anos, que concordou que seu nome completo fosse publicado.

Mas o relatório policial de Barney chegou às mãos da universidade de qualquer modo, depois que Nasiru Seidu, o homem acusado de atacá-la, o entregou a um conhecido que trabalhava como vice-delegado do condado de Utah, segundo registros judiciais. Esse policial, Edwin Randolph, o passou à universidade.

Seidu e Randolph foram acusados de retaliação contra testemunha; as acusações foram mais tarde retiradas. Seidu aguarda julgamento pela denúncia de agressão sexual; ainda não há data marcada.

A universidade mais tarde contatou Barney para dizer que queria se reunir com ela para investigar “outras supostas violações do Código de Honra”.

No mês passado, o advogado-geral da universidade, Stephen Craig, enviou um e-mail ao advogado de Barney dizendo que, embora a BYU não tivesse pedido o relatório policial, tinha “obrigação consigo mesma e com seus alunos de investigar relatos verossímeis de violação do Código de Honra”.

“Compreendo que isto é decepcionante para você e para Madi”, escreveu Craig ao advogado. “A universidade, entretanto, aplica seu Código de Honra. Todos os estudantes, quando se matriculam na universidade, concordam com padrões morais de conduta e aceitam que os padrões são uma condição para continuar na universidade.”

A universidade pediu que ela cooperasse com a investigação do Código de Honra. Barney, entretanto, disse que não poderia falar sobre o ataque fora de um tribunal enquanto o caso estivesse em curso.

Em 4 de março, o advogado da Brigham Young escreveu a Barney dizendo que ela poderia terminar o semestre, mas que a universidade a impediria de se matricular em novos cursos “até que as questões do Código de Honra sejam resolvidas”.

Barney fez seu exame final em Brigham Young neste mês e decidiu que não quer voltar.

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