Angola: Comunidade LGBT+ em Malanje vive ameaçada

Enviado por / FontePor Nelson Camuto, do DW

Em Angola, discriminar contra homossexuais ou lésbicas é um crime. Mas preconceitos transversais à sociedade tornam a vida de cidadãos inocentes num inferno. Malanje é disso um exemplo.

Na província angolana de Malanje, a comunidade LGBTQ+ vive o drama quotidiano da não aceitação. Grupos conservadores chegam ao ponto de exigir castigos severos para as pessoas que querem o direito à livre orientação sexual. Isto, apesar de quem proferir discursos de ódio e incentivar à violência estar a cometer um crime.

Como lembra o jurista Twaila Nzuma: “A discriminação está proibida nos termos do artigo 23.º da Constituição, que diz que ninguém pode prejudicar ou discriminar de qualquer forma uma pessoa, por ser um homossexual”.

Mas em Malanje a realidade é outra. A livre orientação sexual de integrantes da comunidade é rejeitada por indivíduos que cultuam valores tradicionais. A DW África falou com um jovem de 24 anos do bairro da Kanambua, que pediu o anonimato por razões de segurança.

Ameaças de morte

O jovem conta que muitos desejam a sua morte por ser gay. “Tem aqueles que disparatam: ‘Não tens vergonha de ser assim! Virar mulher, em vez de você dar filhos, dar netos à tua mãe, não! Você merece morrer! Um dia vou te passar com o carro por cima'”.

São acontecimentos traumatizantes para o jovem, que se vê abandonado à sua sorte. “Não me sinto bem porque não tem ninguém que nos ajuda. Nós precisamos de ajuda, é por isso eu estou assim nesse estado”, diz.

Muitos cidadãos assumem abertamente posições homofóbicas, afirmando que gays e lésbicas não são bem-vindos na província. O reformado Francisco Bartolomeu, de 56 anos, acha que a educação dada pelo pai é determinante para o comportamento sexual dos filhos. “Eu, pai, é que tenho de dar ordem. O filho não pode me dar ordem, ou a filha”, afirma. Na verdade, a ciência ensina que a educação não tem influência na orientação sexual do indivíduo.

A homossexualidade é universal

Outro argumento comum, mas erróneo, é que a homossexualidade é uma ideia trazida de fora, como diz Francisco Bartolomeu: “É a invenção dos outros países que eles estão a acompanhar. E é o que está a estragar a nossa cultura”.

Em Moçambique, a associação LambdaMoz luta contra a discriminação

Pesquisadores africanos como o nigeriano Bisi Alimi descobriram que as práticas homossexuais em África são históricas. Muitas sociedades tradicionais africanas consideravam as ligações sexuais entre pessoas do mesmo género completamente lícitas.

O que foi exportado para África, defendem muitos pesquisadores, não foi a homossexualidade, mas a homofobia. Em Angola, por exemplo, a igreja trazida pelos portugueses proibiu os “chibados”.Era o nome que se dava a uma casta de adivinhos masculinos, que, acreditava-se, levavam dentro de si poderosos espíritos femininos, que passavam a outros homens através do sexo anal.

Hoje, a rejeição muitas vezes começa dentro da própria família. A estudante do ensino médio, Maria Ngunza, de 22 anos, vive desiludida pelo facto de o irmão ser gay. “A família já sentou com ele para ele mudar e ele disse ‘não posso, porque já sou mesmo assim’.”

Em alguns países como o Uganda os LGBTQ+ são perseguidos pelo Estado

Angola vai ter que mudar

E até entre defensores dos direitos humanos prevalece o preconceito. O presidente da Comissão Mista de Direitos Humanos da Arquidiocese de Malanje, padre Dionísio Mateus, exige respeito à comunidade LGBTQ+ e defende que os homossexuais têm direito ao batismo. “Agora, se me perguntarem se pode ser padre já não”, disse Mateus à DW África.

O sociólogo Lúcio Marques defende a tolerância e o respeito às diferenças. O académico sabe que os integrantes da comunidade LGBTQ+ vivem o terror pela discriminação. Mas diz que a mudança em Angola é inevitável. “Como sociólogo, prevejo que o nosso país, dentro de pouco tempo, aprovará o casamento homossexual, porque é a ordem mundial e nós temos que dizer que os países africanos, querendo ou não, têm muita obediência àquilo [que se passa no] Ocidente”.

Muitos gays, lésbicas e transgéneros já abandonaram a província. Isto porque encontram poucas pessoas esclarecidas como a empregada doméstica Neide­ Samarianga, de 41 anos, que se distancia de comportamentos preconceituosos. Samarianga é tia de uma jovem lésbica: “Ela não aceita ser discriminada, diz que gosta de ser assim. É normal, para mim”.   

+ sobre o tema

Por que a autora feminista Chimamanda Ngozi Adichie está sendo chamada de transfóbica

Chimamanda Ngozi Adichie foi alvo de comentários nas redes...

Estudo diz que muitos homofóbicos são homossexuais enrustidos

O Departamento de Psicologia da Universidade da Georgia (EUA)...

Di Jejê lança curso inédito sobre a mulher negra e a homossexualidade

Di Jejê lança curso inédito sobre a mulher negra...

As diásporas da b¡cha preta

A descoberta da sexualidade pelos homens negros, e aqui...

para lembrar

O Brasil esteve aqui

Eu entendo de diplomacias tanto quanto entendo de dirigir...

No Dia da Visibilidade Lésbica, mulheres retratam suas gerações

Dos 17 aos 60 anos, lésbicas contam das conquistas...

Comissão de Feliciano barra pensão a homossexuais

Mais um capítulo da guerra dos gêneros que se...
spot_imgspot_img

Rússia acrescenta ‘Movimento LGBT internacional’ à lista de indivíduos e entidades ‘terroristas e extremistas’

O órgão de fiscalização financeira da Rússia acrescentou nesta sexta-feira o que chama de "movimento LGBT internacional" à sua lista de indivíduos e entidades...

Os palancas negras

Não foi o 7 x 1 que me frustrou, inclusive eu estava dormindo durante o jogo contra a Alemanha. Lembro que acordei várias vezes...

Rei angolano visita quilombo Cafundó (SP) e cumpre profecias

Duas profecias foram cumpridas em solo brasileiro neste sábado (28). Ambas diziam que, depois de todo o suplício dos tempos escravocratas, uma majestade angolana atravessaria o...
-+=