Meu pai foi obcecado pela organização. Tanto das gavetas de armários, quanto das reivindicações políticas. Aos sete anos, órfão de pai, ele ingressou em regime de internato no Colégio Militar do Rio de Janeiro, onde a pedagogia era a disciplina. Ao se tornar trabalhador, meu pai ajudou a fundar um sindicato. Porque ele acreditava que para conseguir qualquer coisa era preciso se organizar. Afirmava que o poder individual era ínfimo se comparado com a eficácia do coletivo. Ele também foi um homem de partidos. Adepto de assembleias, votações, fidelidade ideológica, consciência de classe. Eu e ele fomos companheiros em muitos pensamentos, mas sempre achei que papai subestimava a força e o brilho do indivíduo.
Por Fernanda Pompeu Do Yahoo
Outra discordância tínhamos em relação à luta geral e à particular. Para ele: resolvida a injustiça social e as desigualdades econômicas, todas as outras injustiças e desigualdades se resolveriam de baciada. Hoje percebemos que não é bem assim. Mulheres, negros, gays, pessoas com deficiências têm necessidades e sonhos específicos que extrapolam a gaveta da luta geral e questionam velhas formas de organização. Pois é possível encontrar machismo num sindicato, racismo numa associação, homofobia num partido democrático.
A melhoria na percepção de que não existe uma única luta para melhorar o mundo e sim várias, vive seu momento de ouro com as redes sociais – poderosas ferramentas de aglutinação e até de mobilização. Com elas, um grão de milho se torna milharal. Dois cachorros, uma matilha. Uma esquina, o mundo. Mas como tudo, elas também têm seus defeitos colaterais. Por exemplo, o perigo de uma extremada particularização. A ênfase no indivíduo e nos seus quereres: I love bike, I love panetones com frutas secas, I love panetones de chocolate, I love meu umbigo! Até que um organizado de plantão nos lembra: “Gosto não é direito.” Ops! Ele tem razão. O direito não diz respeito a um único indivíduo, ele é garantia da individualidade – pertencente a todos os indivíduos.
Assim voltamos às lutas gerais e às particulares. Maneiras de ver que não deveriam ser antagônicas, nem concorrentes entre si. Quando eu supero um preconceito me torno apta a ultrapassar outros. Quando percebo o todo devo ser sensível às partes. Ao me engajar em uma parte preciso enxergar o todo. Eis a esperança de contato entre as visões do pai e da filha.