As causas dos distúrbios no Reino Unido

 

Da decadência moral à exclusão social, passando pelo racismo, consumismo e mesmo pela falta da figura do pai nas famílias. Teorias discutidas no Reino Unido procuram explicar as causas dos distúrbios.

Especialistas e jornalistas britânicos estão a tentar encontrar explicações para a onda de violência de que o país foi palco nos últimos dias. As teorias sobre as possíveis causas do fenómeno vão da decadência moral ao consumismo excessivo, passando, entre outras, pelo racismo, exclusão social, falta de um modelo masculino na família, cortes nos gastos e fraco policiamento.

David Wilson, professor de criminologia da Birmingham City University, afirma que existe “uma cultura de merecimento na Grã-Bretanha” que, segundo ele, “não se restringe à classe baixa, sendo comum entre os políticos, os banqueiros, os jogadores de futebol”.

“Não é uma classe em particular apenas, permeia todas as camadas da sociedade. Quando vemos políticos a pedirem TVs de plasma e a serem detidos por fraudarem as suas despesas, fica claro que os jovens de todas as classes sociais estão sem uma liderança apropriada”, disse.

Exclusão social

Para Camila Batmanghelidj, a questão da exclusão social não explica tudo mas é importante e deve ser considerada. Num artigo publicado no jornal “The Independent”, a fundadora da organização de soliedariedade Kids Company escreveu que existe uma percepção de que a comunidade europeia não dá nada à população.

“…Não se trata de ataque ocasional contra a dignidade. É a humilhação repetida, ser continuamente desprovido numa sociedade rica”, acrescentou.

De acordo com Marian FitzGerald, professora convidada de criminologia na Univrsidade de Kent, a exclusão social pode ser um fator mas “os excluídos sociais não são sempre os que causam os distúrbios. Na verdade, geralmente eles são os que estão mais vulneráveis aos tumultos. Precisamos de uma abordagem mais aprofundada, ao invés de apenas usar a exclusão social como desculpa”.

Cortes do Governo

O candidato do Partido Trabalhista à Câmara Municipal de Londres, por sua vez, sugeriu em entrevista á BBC que as medidas de austeridade do Governo são as verdadeiras responsáveis pelos distúrbios. “Se o Governo está a fazer cortes na área da segurança, há sempre margem para este tipo de revolta”, afirmou Ken Livingstone.

Mas na opinião da professora Marian FitzGerald, ainda é muito cedo para estabelecer esse tipo de relação. Isto porque “os cortes que terão maior impacto nessa área ainda não estão totalmente executados e só vão ser sentidosno próximo ano”.

“No entanto”, admitiu, “pode ser que, devido à tanta informação sobre a falta de meios da polícia, os causadores dos tumultos tenham assimilado que a probabilidade de detenção seria pequena”.

Um editorial do tablóide “The Sun” considerou “loucura” o fato de os canhões de água não terem sido disponibilizados para os polícias, acrescentando que “o Parlamento não deve ser sensível” ao uso de gás lacrimogéneo e munição não letal.

Policiamento e cultura do rap

Foi também discutido o impacto das críticas à resposta da polícia durante aos protestos durante a reunião do G20 em Londres, em 2009, quando alguns comentaristas sugeriram que a polícia tem medo de enfrentar os saqueadores diretamente por temerem serem processos na justiça.

O professor David Wilson defende que se os saqueadores tivessem encontrado uma patrulha policial mais forte, podia ter feito alguma diferença. “Vários deles que foram entrevistados admitiram claramente gostar do sentimento de poder. Foram estimulados a sentir que as cidades lhes pertencem”, disse. No entanto, não acho que isso esteja relacionado com a falta de policiamento correto. O que tem caracterizado a Justiça britânica nos últimos 25 ou 30 anos, é o grande número de jovens que são mandados para a prisão, em comparação com os nossos vizinhos europeus”.

O jornalista britânico Paul Routledge culpou a cultura do acusou o rap pela onda de violência e protestos que teve lugar no Reino Unido nos últimos dias.

Num artigo publicado no “Daily Mirror”, Routledge escreveu que a “cultura perniciosa do ódio à volta da música rap” é a fonte dos problemas no país, afirmando que este estilo de música “glorifica a violência e ataque à autoridade (especialmente a polícia, mas inclui os pais), exalta o materialismo e delira sobre as drogas”.

“As coisas importantes na vida são o último smartphone, os ténis e calças da moda e jogos de computador idiotas. Não admira que as lojas que os vendam sejam os alvos principais”, acrescentou, pedindo, por fim, que o “rap venenoso” seja banido.

Os comentários do jornalista britânico provocaram uma imediata reação do rapper Professor Green, no Twitter: : “Paul Routlege é completamente burro. Isso, banam o Rap, silenciem as nossas vozes ainda mais. Estúpido ignorante. Aceitar responsabilidades? Nem a minha música nem a dos meus pares tem culpa da sociedade e dos seus defeitos. Não fomos nós que criámos os estratos sociais”.

Consumismo…

A colunista e jornalista Zoe Williams, referindo-se às mercadorias apreendidas pela polícia depois dos distúrbios, afirmou no jornal “The Guardian” que os saques aos centros comerciais foram caracterizados pelas escolhas dos consumidores.

“Isto é o que acontece quando as pessoas não têm nada, quando as coisas pelas quais elas não podem pagar são constantemente “esfregadas na sua cara” sem que elas tenham razão para acreditar que alguma vez na vida terão condições para as adquirir”, disse.

A professora Marian FitzGerald disse que em estudos sobre crimes urvanos este é um fator a ter em conta.

Nos distúrbios recentes, além de roupas, ténis e telemóveis, houve também roubos de cerveja em lata e doces.

… oportunismo

Há também quem defenda a teoria do oportunismo, como escreveu Carolina Bracken no jornal “The Irish Times”: “enquanto mais e mais pessoas se envolveram com os distúrbios, outras tentaram juntar-se a elas, confiantes de que alguém num mar de centenas tem pouca probabilidade de ser detida ou responsabilizada”.

Opinião semelhante tem a professora FitzGerald, para quem “oportunismo misturado com o sentimento de fazer parte de um grande gangue poderão ter estimulado (a participar) quem normalmente nunca faria algo assim”.

“Também é significativo o sentimento de invulnerabilidade por fazer parte de algo tão grandioso. E está relacionado ainda ao sentimento de transgredir e sentir-se poderoso numa sociedade e numa cultura onde não se tem muito poder”, disse.

…ou racismo

A violência em Londres começou no bairro de Tottenham, no passado sábado, depois de ter sido morto pela polícia um negro de 29 anos, Mark Duggan.

Christina Paterson, do jornal “The Independent”, defende que a questão do racismo não pode ser negligenciada. “Muitos negros foram mortos pela polícia bitãnica. Muitos homens e mulheres foram tratados como criminosos quando não o eram. Esta não é a causa desses distúrbios, mas está lá à mistura”, disse.

A professora Marian FitzGerald minimiza a questão, afirmando que as mortes nas mãos da polícia britânica são muito raras. “Segundo relatórios do IPCC (comissão que observa o trabalho policial), nos últimos três anos ocorreram apenas sete, e todas eram pessoas brancas”, disse.

Segundo essa professora de criminologia, “a Polícia Metropolitana de Londres (Met police) passou por grandes mudanças de atitude desde a publicação do “Macpherson report” em 1999 sobre as relações entre as comunidades de minorias étnicas e a Met police.

Sir William Macpherson – que acompanhou as investigações da polícia sobre a morte do estudante Stephen Lawrence, 18 anos-, disse então na sua reportagem que o uso abusivo do poder de detenção, por parte da polícia, levou a que jovens negros responsáveis e cumpridores da lei entrassem em confrontos com as autoridades.

Ausência do pai

Outra causa apontada para os distúrbios em Inglaterra foi a falta de um modelo masculino nas famílias monoparentais, como observou Cristina odone, do jornal “Daily Telegraph”: “como a esmagadora maioria dos jovens criminosos presos, os membros dos gangues têm uma coisa em comum: não há um pai nas suas casas”.

Opinião diferente tem Marian FitzGerald, que afirmou ter criado dois filhos sozinha. “Sim, existem algumas questões sobre onde os rapazes vão buscar o sentido positivo da masculinidade quando não têm em casa o pai para dar o exemplo. No entanto, se se trata de uma família estável, então as crianças podem, ainda assim, ser bem-sucedidas”, disse.

 

 

Fonte: Expresso

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