As mulheres, a igreja, os políticos e o Estado laico

Desde o início da Era Cristã, as mulheres sempre tiveram uma participação fundamental na igreja e na sociedade. Na igreja para citar apenas duas protagonistas, Maria, mãe de Jesus, esteve com ele até a morte e depois foi fundamental para criação das comunidades primitivas. Madalena foi a primeira pessoa a constatar que Cristo não estava no sepulcro, havia ressuscitado. Foi enviada a anunciar a ressurreição aos discípulos. O protagonismo das mulheres, apesar de ignorado pela hierarquia da igreja, é real. O que seria das comunidades se não fosse o trabalho de apoio efetivo das mulheres? São elas que cuidam da organização das comunidades, das celebrações onde não há padres, do cuidado com a igreja, no entanto, no que diz respeito a igreja Católica, estão longes das instâncias de decisão.

A visão machista das Igrejas reflete no uso que grupos religiosos fazem da política para perpetuar essa mesma prática na sociedade. Em todo o país, assistimos a uma crescente onda de líderes religiosos inseridos na política, promovendo uma discussão institucional em nome da “Vida” e que pode representar um retrocesso no que diz respeito às políticas públicas. Projetos de Lei como o Estatuto do Nascituro, a “Cura Gay” e a PEC 99, ameaçam as conquistas sociais e o Estado laico.

Assusta as visões de líderes políticos e religiosos, que na defesa de seus projetos utilizam de argumentos falaciosos. Os parlamentares total insensibilidade e desconhecimento dos problemas sociais no Brasil como, por exemplo, os abortos clandestinos e as mulheres que morrem em consequência deles! Realidade que coloca o país entre os que têm os piores números no ranking, dos casos de morte materna. Não quero me estender com dados que estão disponíveis nos portais do Ministério da Saúde e da ONU, não posso, contudo, me omitir frente à tamanha desfaçatez, quando tais políticos ignoram as consequências de ato tão brutal como o estupro. Defendem que uma mulher grávida, vítima de estupro, leve adiante a gravidez e depois do parto, entregue o filho à adoção! Ao simplificar a solução de um problema tão sério, sugerindo a adoção como solução, sem ao menos observar as instituições de abrigamento existentes, relegadas às sobras de doações, sem espaço inclusive, para abrigar e cuidar das que lá estão; ao ignorar que os mecanismos do Estado são insuficientes para as soluções dignas de problemas graves como o estupro, os políticos demonstram não conhecer o fosso que separa as classes mais abastadas, daquelas que mal sobrevivem, desconhecem a desigualdade social da qual a mulher é a maior vítima.

O grito que vem das ruas é mais que um recado para os nossos representantes políticos. É a expressão de um povo cansado de esperar a solução para problemas que vão se arrastando de um governo para outro, sem a perspectiva de ver mudanças significativas. Cansado de pagar altos impostos e não ver o dinheiro recolhido, investido nas áreas prioritárias. É o grito do povo dizendo CHEGA! Queremos viver com dignidade! Temos o direito de ver, nos representando, pessoas que enxerguem além de seus umbigos, que estejam de fato, comprometidos com as causas sociais e coletivas e que não usem o espaço de Poder para benefício próprio, ou do segmento econômico e religioso que banca suas candidaturas.

A luta pelos direitos das mulheres não se restringe aos movimentos sociais. Ela deve ser de todos os brasileiros, que sonham com um país livre da pobreza e da desigualdade social. Representantes políticos que não sabem dimensionar os problemas sociais e ignoram que as mulheres são a maioria da população brasileira e a parcela mais empobrecida, dão demonstrações de descaso com as mazelas sociais, e ainda, desconhecem o principal mandamento cristão.
Por Geralda Ferraz

Geralda Ferraz é assessora de Comunicação da Secretaria Municipal de Defesa Social de Goiânia (Semdef) e presidenta da Associação Mulheres na Comunicação

 

Fonte: Revista Fórum

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