Numa das regiões mais pobres do Brasil, um grupo de mulheres tenta provar sua existência no mapa do país. Elas são 350 mil quebradeiras de coco de babaçu, que brigam para não serem expulsas pela expansão do agronegócio.
Por Nadia Pontes, do DW
Com um cesto de palha a tiracolo, machado em uma mão e toco de madeira na outra, Eunice Conceição, de 56 anos, caminha floresta adentro nos arredores de Imperatriz, no Maranhão. Pela mata é fácil identificar as palmeiras de babaçu, de 15 metros de altura. É delas que Eunice extrai o sustento da família. E é por elas que comprou agora uma briga com o governo.
“Estão dizendo que a gente não existe porque assim fica mais fácil acabar com as florestas de babaçu para plantar soja ou eucalipto. Mas onde existe babaçu, existe quebradeira”, afirma Eunice. Ela faz parte do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB), que atua nos estados de Maranhão, Piauí, Tocantins e Pará desde 1991.
Há pelo menos dois séculos, essas mulheres extrativistas, em sua maioria descendente de escravos, recolhem o coco que cai das palmeiras. Com o machado preso debaixo de uma das pernas, elas usam um pedaço roliço de madeira para partir o fruto. O trabalho é feito em grupos por mulheres de várias idades. A técnica artesanal, passada de mãe para filha, mantém intacta a castanha no interior do coco – até hoje nenhuma máquina conseguiu fazer o mesmo. Da castanha se extrai o azeite: dois quilos de castanha rendem um litro de óleo, que é vendido, em média, por 12 reais.
Da palmeira de babaçu, nada se perde. As folhas são usadas para cobrir telhados; a madeira serve para a composição das casas de pau-a-pique; a casca do coco é convertida em carvão; e a polpa do coco vira uma mistura nutritiva usada até na merenda escolar.
Mas as florestas naturais de babaçu estão no caminho da pretendida rota de expansão do agronegócio brasileiro. A região onde as quebradeiras vivem foi recentemente rotulada pelo governo como “a última grande fronteira para a expansão agrícola no mundo”.
Em maio, a ministra da Agricultura, Kátia Abreu, lançou o Plano de Desenvolvimento Agropecuário do Matopiba, acrônimo formado pelas iniciais dos estados que o formam: Maranhão, Tocantins, Piauí, e Bahia. O projeto, que englobará 73 milhões de hectares em 337 municípios, pretende aumentar a renda rural. A expectativa é que a produção de soja na região cresça 21% nos próximos 10 anos.
Na outra ponta, o MIQCB acusa o governo de apresentar a informação como se as quebradeiras e os babaçuais não existissem. Para provar que a atividade que desempenham ocupa um espaço no mapa nacional, as quebradeiras pediram ajuda de pesquisadores da Universidade do Maranhão (Uema). Começou aí uma jornada em que o machado e o toco de madeira foram substituídos, temporariamente, por GPS e técnicas de georreferenciamento.
Desde o começo de 2014, pesquisadores e o MIQCB trabalham na produção de um novo mapa que mostra onde essas mulheres ocupam a terra em áreas próximas a babaçuais e onde estão as principais fontes de conflito. Mais de 400 quebradeiras participaram de cursos para aprender como operar a tecnologia empregada em campo.
“O mapa que estamos fazendo vai nos ajudar a manter as palmeiras, que são as nossas mães, nossa fonte de renda, de onde tiramos o sustento das nossas famílias”, diz a quebradeira Maria do Socorro Teixeira Lima.
Segundo o pesquisador que chefiou o projeto, Alfredo Wagner, a indústria mineradora e a expansão de monoculturas como soja e eucalipto são as principais ameaças às quebradeiras de coco. “O aquecimento do mercado de terras e a produção de commodities está destruindo comunidades tradicionais e seus modos de vida. É uma fonte permanente de tensão”, comenta. Segundo ele, a forma como as quebradeiras estão organizadas é um modelo de desenvolvimento sustentável.
A expectativa do time envolvido na confecção do mapa é que a ferramenta seja considerada no planejamento da expansão agrícola. A antropóloga e pesquisadora Poliana de Sousa, 32 anos, filha e neta de quebradeiras, participou do projeto cientifico que mapeou uma realidade que ela conheceu ainda na infância.
“Sempre vi as quebradeiras lutando contra os grandes empreendimentos que não conseguem enxergá-las. Acho que a luta delas não é em vão. E o meu trabalho de pesquisadora também não é em vão. De certa forma, a gente contribui para que a batalha delas seja evidenciada”, finaliza Poliana.
Consultado, o Ministério da Agricultura não respondeu às perguntas desta reportagem.