“Assumimos as nossas origens e valorizamos a nossa história” – Entrevista com Oraida Abreu

Desde 2003, com a criação da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República (SEPPIR- PR), o Brasil vive um remodelamento da forma com que são tratados grupos sociais que, ainda que representando, em número, uma enorme fatia da sociedade brasileira, estiveram sempre à margem em Políticas Públicas e ações promovidas pela própria comunidade. Graças à gestão da SEPPIR, várias discussões estão sendo realizadas em todo o país para aproximar o diálogo entre o poder público e a sociedade civil, incluindo, prioritariamente, as comunidades quilombolas, índigenas, ciganos e comunidades de terreiro. Quem fala disso com desenvoltura e sabedoria é Oraida Abreu, psicóloga e Secretária- Executiva do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial- CNPIR, sendo peça importante no tabuleiro de ações realizadas pela SEPPIR. Com o Ministro Edson Santos em missão no Exterior e, portanto, deixando o Secretário-Adjunto, Eloi Araújo, como Ministro em exercício, Oraida Abreu é hoje Secretária-Adjunta Substituta da SEPPIR.

Confira, na íntegra, a entrevista que Oraida gentilmente concedeu, por e-mail, ao blog, comentando os avanços na busca pela igualdade racial no país, a Política de Cotas e pontuando sua opinião sobre preconceito e identidade cultural:

Quais são os avanços do Brasil na luta pela igualdade racial?

Considero a criação da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República (SEPPIR- PR), pelo Presidente Luis Inácio Lula da Silva, em 2003, um marco importante. A temática foi efetivamente inserida na agenda de governo, saindo da retórica para a ação concreta, visando a implementação de políticas públicas na perspectiva de construção de políticas de Estado. Foi também um ato de reconhecimento a luta histórica do movimento negro brasileiro, que pautou a desigualdade racial como uma das prioridades, pois não se pode pensar em progresso e desenvolvimento do país deixando de lado uma parcela expressiva da sociedade, que hoje representa metade da população brasileira.

 

Como a existência da SEPPIR-PR tem colaborado com a educação para a diversidade? Quais segmentos participam das Conferências e espaços institucionais?

A SEPPIR, juntamente com o Minstério da Educação tem trabalhado para a implantação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico – Raciais, bem como para o efetivo cumprimento das Leis 10.639- 2003 e 11. 645, que alteram a Lei de Diretrizes e Bases, instituindo a obrigadoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileira e indígena respectivamente, que deveriam ser observados por todas as escolas brasileiras. O objetivo da Educação das Relações Étnico-Raciais, é a divulgação e produção de conhecimentos que eduquem os cidadãos de forma plena, assegurando o respeito à diversidade, valorizando a identidade e história de tod@s que contribuiram e contribuem para a riqueza do país, buscando a construção de uma nação democrática que de fato inclua tod@s @s cidadãos brasileir@s.

 

Nessa perspectiva, foi criada a SEPPIR, cuja missão é a implementação de políticas públicas de promoção da igualdade racial, direcionada aos grupos historicamente discriminados, com ênfase na população negra. Desta forma, no âmbito da SEPPIR também são gestadas políticas públicas para as comunidades quilombolas, índigenas, ciganos e comunidades de terreiro. Na I e II Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial participaram negr@s, indígenas, quilombolas, judeus, cigan@s, árabes e palestinos. No âmbito institucional, representantes desses grupos historicamente discriminados tem assento no Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial- CNPIR, órgão de assessoramento da SEPPIR, de caráter consultivo, presidido pelo Ministro de Estado Chefe da SEPPIR, Edson Santos, formado por 44 representantes. Desses 22 são representantes de órgãos públicos federais, 19 de entidades da sociedade civil e 3 cidadãos com notório reconhecimento nas relações raciais: Prof. Dr. Kabengele Munanga, Prof. Eduardo Oliveira e a senhora Leci Brandão.

Sandra Braga, líder comunitária do Quilombo Mesquita (Cidade Ocidental/GO), Marina Sant`Anna e Oraida Abreu em recente encontro em Goiânia

Pode-se dizer que há hoje maior consciência da sociedade brasileira sobre sua história e identidade cultural?

Acredito que estamos vivendo um processo. Sem dúvida há um pouco mais de consciênca, mas ainda falta muito para nos livrarmos das referências impostas pela cultura eurocêntrica massificada em nosso país. Basta uma simples observação no cotidiano das cidades, na área da publicidade e nos meios de comunicação em geral, por exemplo, para verificarmos que a população afrodescendente está invisibilizada. Se há concordância que a população negra hoje represnta metade da população brasileira, onde estão essas pessoas? Avalio esse fator como uma não valorização da nossa história, das nossas origens. Entretanto, como mencionei no início, estamos em pleno processo de mudança, desconstruindo pseudos valores impostos à sociedade brasileira, como associar o desenvolvimento do país a uma visão eurocêntrica, valorizar o trabalhador imigrante europeu em detrimento dos tarabalhadores locais, sempre vinculados à idéia de não adaptação ao trabalho regular, colocar o negr@ num não lugar, limitando as chances de inclusão socioeconômica desse segmento da população. O próximo Censo a ser realizado pelo IBGE será um bom momento para mostramos que assumimos as nossas origens e valorizamos a nossa história. É hora de afirmarmos a nossa identidade quando o recenseador perguntar qual a sua cor.

 

Qual é a maior polêmica sobre a chamada Lei de Cotas nas Universidades e a sua relação com as desigualdades sociais do país?

Na verdade essa reação é expressa pelos setores mais conservadores da nossa sociedade que não querem dividir o espaço de poder. As ações afirmativas são mecanismos pontuais e temporários, com o objetivo de superação das desigualdades historicamente acumuladas. Os opositores dessas medidas costumam citar os Estados Unidos, destacando o fracasso dessas ações em terras de Tio Sam. Este argumento caiu por terra quando, em recente visita ao Brasil, a senhora secretária de estado norteamericana, Hillary Clinton, defendeu a adoção das ações afirmativas, declarando ser essa a forma dos Estados Unidos de banir os resquícios deixados pela escravidão.

 

No Brasil, me parece que alguns setores querem perpetuar a negação da História. Com a abolição – inconclusa – da escravidão, os negr@s ficaram entregues à própria sorte; faltou- lhes educação e a capacitação para o trabalho, portanto não tinham condições de inserção no mercado de trabalho e ainda carregavam a pecha de impedir o crescimento e desenvolvimento do país. Momento em que se fortalece a tese do “branqueamento” da população, rumo ao desenvolvimento. Isto desencadeou o processo de imigração européia, na tentativa de encontrar trabalhadores mais qualificados, enquanto aqui os negr@s recém libertos ficavam à margem desse processo. As desigualdades raciais consolidaram- se, dando início ao surgimento de uma sociedade repleta de iniquidades, tendo a cor do indivíduo como elemento norteador do mercado de trabalho..

 

Voltando as cotas, vale dizer que as cotas raciais são uma realidade em nosso país. Já adotadas em mais de 60 universidades públicas, foram criadas de forma democrática, considerando a autonomia universitária, e bem acolhidas pela comundade acadêmica. Não há registro de conflitos em decorrência dessas medidas. Outro ponto a destacar diz respeito ao desempenho dos alunos cotistas. Estudos realizados no âmbito das Instituições que adotaram o sistema, apontam que o rendimento médio dos alunos cotistas se iguala ao dos demais alunos. Na UnB, por exemplo, as cotas são exitosas. Em 2001, alunos negros representavam 2% do corpo discente, hoje a realidade mudou. Esse percentual chega a 12,5%. Como disse o Ministro Edson Santos, em recente artigo, apesar do esperneio de setores minoritários, a caravana da igualdade racial avança!


Como mulher, negra, psicóloga, autoridade do Governo Federal pela igualdade racial, pode dizer como se sente o negro ainda hoje no Brasil?

Como psicóloga vou devolver a pergunta pra você, Marina. Citarei, como exemplo, casos recentes veiculados pela mídia, que ajudarão na reflexão. Lembra do caso do Senhor Januário, trabalhador que aguardava em seu carro a esposa que fazia compras num Supermercado em São Paulo e foi preso pelos seguranças do estabelecimento que o confundiram com um ladrão? Ele tentou se identificar, mas não foi ouvido e alegaram que o carro não era dele. Recentemente, já um outro caso, um funcionário de empresa aérea foi vítima de crime de racismo, sendo insultado por uma passageira no aeroporto de Aracaju, em Sergipe.

 

Em que pese o aparato legal existente e racismo ser crime inafiançável, nos deparamos com situações semelhantes no dia a dia e, como disse o poeta, “cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é.”

 

É difícil dizer como se sente o negr@, a questão é da ordem da subjetividade, o racismo é insidioso, o impacto no psiquismo, assim como os negr@s, é invisibilizado. Precisamos banir essa chaga da nossa sociedade. Em artigo recente da jornalista Miriam Leitão, ela cita frase memorável de Joaquim Nabuco: “Não basta acabar com a escravidão. É preciso destruir sua obra.” Fica o convite: mãos à obra!!!

Fonte: Marina Santana

 

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