Athayde: “É preciso criar a Zona Franca das Favelas”

Começa hoje o especial do Favela 247 “Eleições e Favelas”, no qual os principais personagens que atuam nos territórios populares dos segmentos Organização da sociedade civil; Academia; Liderança religiosa; Cultura e Liderança comunitária opinam sobre as próximas eleições ao Governo do Estado do Rio de Janeiro. O primeiro entrevistado é Celso Athayde, 51, um dos fundadores da Central Única das Favelas (CUFA), da Favela Holding e do Data Favela

Favela 247 – Celso Athayde, 51, um dos fundadores da Central Única das Favelas (CUFA), da Favela Holding e do Data Favela, é o primeiro entrevistado do especial “Eleições e Favelas”, no qual o Favela 247 conversará sobre as próximas eleições ao Governo do Estado do Rio de Janeiro com os principais atores que agem nos territórios populares, dos segmentos: Organização da sociedade civil; Academia; Liderança religiosa; Cultura e Liderança comunitária. São três perguntas comuns aos atores de cada segmento e três específicas para cada um.

Celso Athayde pede por maior diálogo do poder público com as organizações da sociedade civil, reconhece os avanços na distribuição de renda dos últimos anos, mas pede mais, e afirma: “O país, ate então, não estava acostumado com essa movimentação e nem com a presença de negros e de favelados em espaços de poder e visibilidade”. Athayde diz que as UPPs são necessárias, mas não bastam, e que, se não houver uma restruturação dos sistemas policiais e judiciários, tragédias continuarão a acontecer.

“Nosso objetivo é o fim das favelas. Enquanto ele não vem, vamos tentando melhorá-las e torná-las lugares melhores de viver. A revolução social continua, agora por vias econômicas”, afirma Athayde, antes de pedir por uma Zona Franca das Favelas.

Perguntas comuns aos atores das organizações da sociedade civil:

1- Qual é o papel das organizações da sociedade civil para o desenvolvimento da consciência política dos moradores de favelas?

Primeiro, ter claro que devemos priorizar o diálogo institucional para além de partidos e de governos, tentando construir política de estado, pois os políticos e partidos vão e vêm, e as nossas demandas permanecem! Temos que pautar a todos, sem se deixar aparelhar.
2- Nos últimos doze anos houve uma grande transferência de renda que beneficiou as classes mais vulneráveis. Você concorda com esse conceito de nova classe-média?

Independentemente do conceito, temos uma mudança no formato social de nossa sociedade, o acesso à economia, via transferência de renda, mexeu nas placas tectônicas de uma sociedade marcada por uma herança escravocrata muito presente nos dias de hoje. Basta olhar os dados. Todos eles confirmam que grande parte da população, na sua maioria negra e moradora de favelas, continua excluída da maioria das oportunidades. Veja, não estamos falando de 15%, como nos Estados Unidos da América; estamos falando de mais da metade da população de um pais de 200 milhões de pessoas. O conceito, na verdade, traz embutido uma movimentação ainda lenta e gradual dessa massa tornada invisível pela exclusão social. O país, até então, não estava acostumado com essa movimentação e nem com a presença de negros e de favelados em espaços de poder e visibilidade.
3- Quais ações você espera do próximo governador em relação aos territórios populares e seus moradores?

Criar mais mecanismos de participação que efetivamente tenham possibilidade de decidir pelas prioridades do Estado. Os gestores precisam se comprometer com o que vão fazer – até ai estou caindo no lugar comum –, mas se o gestor não vai fazer tudo, que o cidadão, principalmente a maioria dos que mais precisam e necessitam das políticas públicas, tenha diálogo para encaminhar suas demandas. A sociedade, não suporta mais somente legitimar os governos, sejam eles quais forem, ela precisa ver suas pautas e demandas atendidas.

 

Perguntas exclusivas a Celso Athayde:

4- Como a Cufa vê e se relaciona com as UPPs?

A Cufa vê a UPP como uma política necessária, pena que nosso país necessita de uma reforma ampla nos sistemas policial e judiciário. Uma verdadeira arquitetura de segurança pública, como houve com o SUS, do contrário toda e qualquer ação, por mais bem intencionada que seja, ou que tenha êxitos como teve a UPP, vai terminar em tragédias e reprodução do mais do mesmo. É como tentar enxugar um chão molhado sem trocar o cano quebrado: assim, a água continua vazando, independente dos remendos que a gente venha a fazer no cano.

Em todos os estados do Brasil várias tentativas foram feitas para resolver problemas sociais por meio de ações policiais. Essa visão de um Estado Penal, onde o social vira caso de polícia, não vai dar em nada, apenas em mais do que já conhecemos: mortes de policias, morte de moradores e mais injustiça e tragédias ao nosso redor. Não dá para achar que anos de ausência do Estado serão solucionados com a presença somente do braço armado do Estado. A lógica deveria ser inversa, trabalharmos para cada vez mais reduzir a presença policial e aumentar a presença social. Assim, a presença da UPP ainda é necessária no modelo atual, mas as mudanças não virão apenas com a UPP.
5- Qual é o papel da Favela Holding para a geração de renda nos territórios populares?

A Favela Holding é a reconfiguração desse novo momento, é uma aposta no protagonismo empreendedor das pessoas das favelas. O nosso maior projeto social é conquistar a autonomia dos moradores de favelas, via sua melhoria econômica. Só vamos poder realizar isso se a favela dialogar com o asfalto de uma maneira nova, inovadora no sentido do pensar, executar a divisão dos bônus desses empreendimentos. Assim, vamos reconfigurar esses territórios. Nosso objetivo é o fim das favelas. Enquanto ele não vem, vamos tentando melhorá-las e torná-las lugares melhores de viver. A revolução social continua, agora por vias econômicas.
6- O que você acha que um empreendedor de favelas espera dos candidatos ao Governo do Estado do Rio de Janeiro?

Primeiro a mudança da visão de que esses locais só representam problemas. Uma visão paternalista que somente percebe a favela como coitada, comunidade carente ou somente como violenta. É essa visão que leva as questões sociais para o tratamento policial. Hoje o poder público ainda olha a favela com essa visão limitada, não consegue perceber a TV à cabo, a presença da Internet, da comunicação, a liderança das mulheres, o potencial de consumo, entre outros novos fatores. A possibilidade de investimento público melhora as condições econômicas, atraindo novos investidores, mas esses investimentos só serão sustentáveis a partir do momento em que o empreendedor da favela e do asfalto forem parceiros efetivos. O papel do Estado é criar mecanismos de incentivo a essas parcerias, a exemplo do que foi feito na Zona Franca de Manaus. É preciso criar a Zona Franca das Favelas.

Fonte:Brasil247

 

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