por Thelman Madeira de Souza
Quem não é corporativista que atire a primeira pedra! Desafio lançado, podemos afirmar que a tendência da nossa magistratura é buscar defeitos nos outros, no lugar de olhar para os seus próprios defeitos. Isso é consequência de um forte espírito de corpo, conjunto de sentimentos, opiniões e interesses dos magistrados, diga-se de passagem, comum a outras categorias profissionais. No entanto, quando a doença do corporativismo acomete aqueles, cuja função é distribuir justiça, o prognóstico desta patologia grave fica sombrio, pois os acometidos tornam-se incuráveis e, mais à frente, contaminam, com o manto da impunidade, qualquer tentativa de correição de fatos graves na vigência da judicatura.
De posse do diagnóstico e prognóstico de um corporativismo pernicioso, praticado pelos mais emblemáticos operadores do direito, é o momento de lembrar que a Constituição federal nos legou o remédio jurídico para combatê-lo, na forma do artigo 103-B, parágrafo 5º, Incisos I e II, que cria o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e define suas atribuições, em especial, a de contribuir para que a prestação jurisdicional seja realizada com moralidade, eficiência e efetividade, em benefício da sociedade. Por conseguinte, qualquer tentativa de retirar algumas atribuições deste conselho cheira a mudança de um dispositivo constitucional, uma burla à nossa Constituição, uma ação fora do alcance do STF, pois este tribunal, ainda que possa e deva discutir matéria constitucional, não pode mudar a Constituição.
Assim sendo, a Ação Direta de Inconstitucionalidade intentada pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), no Supremo Tribunal Federal (STF), de modo a esvaziar o papel do Conselho Nacional de Justiça, em boa hora, encontrou a firme oposição da ministra Eliana Calmon, corregedora nacional de Justiça. Além disso, juridicamente falando, esta ação não se sustenta, uma vez que não foi ajuizada contra leis ou atos que contrariem a Constituição federal, logo, apenas um julgamento tendencioso poderia acatá-la. No mais, é o jus sperniandi do ministro Cezar Peluso, presidente do STF, contra as denúncias corajosas da ministra Eliana Calmon, sobre a infiltração de bandidos no Judiciário, consideradas levianas para com os juízes.
Para a vergonha da nação estarrecida, e na contramão da opinião pública, o Poder Judiciário dá uma demonstração explícita de corporativismo exacerbado. Sob a batuta do ministro Peluso, a AMB entoa a canção do retorno às corregedorias dos tribunais, onde nada se apura. O êxito dessa empreitada seria um golpe de misericórdia no CNJ, com prejuízos irreparáveis para a cidadania. Um tribunal não pode se converter numa associação, onde um código de honra impõe o silêncio de todos, diante do erro de um de seus membros. Muito menos, pode se deixar envolver por uma carapaça, capaz de impedir o contato entre os que batem à sua porta, ávidos por justiça, e aqueles cuja função é a prestação jurisdicional. Este seria o pior cenário para a nossa frágil democracia: o esfacelamento do nosso ordenamento jurídico.
Na sua diatribe, o ministro Cezar Peluso distribuiu irritação e produziu uma nota de repúdio às acusações que julgava infundadas e generalizadas, na medida em que não identificavam pessoas. Entretanto, a preocupação do ministro com os respingos de lama sobre os magistrados idôneos, a maioria, não invalida a sustentação da ministra de que há “bandidos atrás da toga”, da mesma maneira que os infratores da ética médica e policiais truculentos e corruptos se protegem atrás do jaleco branco e da farda. Portanto, é plausível que possamos encontrar juízes tanto em conduta moral inadequada quanto em conduta delituosa Os juízes vivem em sociedade e, nela, estão expostos a todos os seus males. O juiz é um ser humano como outro qualquer, com as mesmas virtudes e fraquezas. Não é Deus, não pode tudo, tampouco pode se considerar acima da lei. As manifestações de desagrado, por parte do ministro Peluso, não apagam da realidade o fato de que vários juízes já foram presos em operações deflagradas pela Polícia Federal. Ou, por acaso, a venda de sentenças é obra do barbeiro da esquina? Não, ela é um delito praticado por alguém que usa toga, alguém de carne e osso, igual ao cidadão comum que paga impostos escorchantes, mas não tem escolas nem hospitais públicos para os filhos, enquanto o togado, quando julgado pelo CNJ, é punido com aposentadoria e a preservação do desfrute de tratamento médico de ponta, às custas do erário público.
Enfim, há bandidos de toga, sim, e devem ser extirpados do convívio dos seus pares. Para isso, existe o CNJ. O Judiciário não pode mais perder a oportunidade de se passar a limpo, expondo suas entranhas para a sociedade, revelando os seus pecados, com humildade e vontade de corrigi-los. Nesse sentido, vale recuperar os ensinamentos do velho Aristóteles que, sobre os magistrados, dizia: “Nenhum homem, por mais excelente que seja, pode invocar a sua excelência para violar a lei”.
*Thelman Madeira de Souza é médico.
Fonte: Jornal do Brasil