Balanço Social e Diversidade Ano 2003.
O Balanço Social está se consolidando na prática empresarial. No ano de 2003, tivemos a presença de 156 empresas concorrentes, o que demonstra a opção de uma parcela do setor empresarial em dar à área social de sua empresa uma posição de destaque e de responsabilidade corporativa. Mesmo esta edição tendo contado com um número menor de inscritos, segundo análise do Ibase, contou-se com relatórios mais precisos, ou seja, está melhorando a qualidade das informações prestadas pelas empresas.
Para Geledés Instituto da Mulher Negra participar como avaliadora de Balanços Sociais é uma oportunidade de acesso às ações desenvolvidas pelas empresas em busca de uma ação socialmente responsável, empreendedora e eficiente, por meio da implementação de programas que visam, antes de mais nada, a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos. Mas significa principalmente conhecer, de forma transparente, as propostas que estejam sendo desencadeadas de inclusão da diversidade.
O Balanço Social tem por objetivo dar informações sobre os projetos sociais desenvolvidos pelas empresas, quer sejam voltadas aos seus funcionários, quer sejam para a sociedade como um todo. Ele é uma forma de difundir práticas de excelência na gestão da responsabilidade social.
Apesar de ainda podermos considera-lo uma ferramenta de marketing, o Balanço Social se pauta em demonstrar para a sociedade que é possível buscar o lucro sem esquecer de investimentos no social, que é possível uma visão humanista que possa englobar mercado e sociedade.
Fazendo-se um pequeno resumo das principais iniciativas desenvolvidas pelas empresas nesses dois anos de Balanço Social, podemos afirmar que a área da educação é o alvo preferido de investimentos, tendo a educação profissionalizante o seu maior interesse. Notamos que a prática filantrópica, revelada através de ações como doações à creches, orfanatos e asilos, e ações de voluntariado entre os funcionários, é muito utilizada pelas empresas, demonstrando seu compromisso social e incentivando seus funcionários.
Há certa uniformidade nos investimentos, pois eles se concentram em educação, focada principalmente em crianças e adolescentes. Poucos são os projetos que apoiam ações de combate ao racismo e ao sexismo (nesta edição dos projetos avaliados por Geledés nenhum tinha esse caráter, na edição anterior tivemos dois). Enfrentar dimensões promotoras de desigualdades sociais marcaria determinação ou vontade política por parte das empresas em atuar em dois pólos estruturantes das desigualdades sociais no Brasil: a condição racial e de gênero.
No entanto, os projetos, mesmo que não configurados como de ação racial mas mesmo assim atendendo a um grande número de negros, pois são voltados para crianças de baixa renda ou em situação de vulnerabilidade social, não tem na descrição de seus compromissos a categoria raça, o que nos parece um cuidado das empresas para não se comprometerem com essa questão.
Outra vertente do Balanço Social que nos possibilita uma visão mais detalhada da estrutura das empresas é a Demonstração do Corpo Funcional. A partir dele podemos notar como estão representadas as categorias sociais compreendidas pela questão de gênero, raça, idade e outras. Assim como as ações sociais empreendidas pelas empresas não revelam sua atuação no combate ao racismo e sexismo, vemos a partir do demonstrativo do corpo funcional que estas duas variáveis também se encontram sub-representadas dentro das empresas.
As mulheres têm um número expressivo entre os trabalhadores brasileiros, tendo uma participação na população ocupada em torno de 40%, estando presente em quase todos os setores produtivos da economia brasileira. Apesar desse panorama, não verificamos uma incidência na porcentagem de ocupação feminina em cargos de chefia e, além disso, notamos ainda a existência de uma divisão sexual do trabalho verificada numa representação menor de mulheres em alguns setores, como por exemplo, em empresas que atuam na construção civil ou de transportes.
Mas se notamos desproporção no número de mulheres nos postos de trabalhos e também nos cargos de chefia, a situação dos negros é no mínimo trágica: apesar de serem 45% da população, estão concentrados nos setores que não utilizam mão de obra qualificada, e muitas empresas não revelam o número de empregados negros ou a participação de negros em cargos de chefia.
Quando este item é apresentado no Balanço Social, temos a constatação de uma afirmação que alguns setores da sociedade civil vem fazendo há muito tempo: há pouca utilização da mão de obra negra e a sua representação em cargos de chefia é ínfima, ficando em torno de 1%.
Há uma grande relutância das empresas em revelar o quesito cor no demonstrativo do seu corpo funcional, relutância esta que não notamos em questões muito constrangedoras, como o número de reclamações ao consumidor ou trabalhistas, relação entre o maior e o menor salário, ou participação na previdência privada. O quesito cor, quando declarado, revela a pequena participação dos negros, quer seja no montante do corpo funcional, quer seja nos postos de chefia ou direção. Ele revela o alijamento do negro do mercado profissional em função de seu pertencimento racial e também pela sua pequena representação no ensino superior.
De 10 empresas que nos couberam avaliar, somente 3 declararam o nº de empregados negros e a porcentagem de cargos de chefia ocupados por estes. No quesito mulheres, 3 não responderam a esse item. Das 7 empresas que responderam a essa questão, somente 3 também declararam os dados relativos a empregados negros. Na questão relativa a nº de pessoas portadoras de necessidades especiais, 3 não declararam, e 2 não informaram o nº de funcionários com mais de 45 anos.
Isso nos permite concluir que a questão de gênero e a de portadores de necessidades especiais, são mais facilmente assimiladas pela sociedade do que a questão racial, pois mesmo que os números demonstrem a pequena participação que as mulheres ocupam nos cargos de chefia, ou o número pequeno de portadores de necessidades especiais, evidencia-se o interesse em demonstrar que eles se encontram inseridos no corpo funcional, dando com isso prova de sensibilidade social com relação a esses temas. Quanto a questão racial, aí temos um diferencial: as empresas preferem silenciar ou usar o argumento de que a empresa não faz distinção étnica entre seus funcionários.
Mas para contrapor esta afirmação de ausência de distinção racial nas empresas, Wellington Silva, gerente de Fundo de Pensão da PREVI, apresentou em seminário no Rio de Janeiro dados de pesquisa em que se constata que 93% das empresas consideradas socialmente responsáveis, não têm nenhum executivo negro no seu quadro funcional. Essa mesma pesquisa revela que as empresas que possuem empregados negros, apresentam diferenças no rendimento salarial, sendo este menor para os negros em todas as ocupações.
Mas há um dado nesta pesquisa que podemos considerar como alarmante com relação as dificuldades encontradas pelo negro no mercado de trabalho: não foi possível realizar a representação de mulheres negras em cargo de diretoria. Só para efeito de ilustração, as mulheres negras representam em torno de 23% da população brasileira. Nos maiores estados brasileiros, a representação da mulher negra no mercado de trabalho apresenta a seguinte situação: em São Paulo, 30% das mulheres negras estão no setor doméstico, setor este que concentra 31% das mulheres negras em Belo Horizonte; e no Distrito Federal 45% das mulheres negras ocupam atividades consideradas vulneráveis (dados Dieese 2002).
A instituição do quesito cor nas pesquisas que buscam refletir a realidade social brasileira, tem sido uma das reivindicações do movimento negro, pois ele é um instrumento de aferição da situação do negro, e a ocultação desse item dificulta a compreensão da extensão da desigualdade racial presente na sociedade brasileira, impedindo assim acesso a dados que podem permitir reivindicar investimentos, quer públicos ou privados, em setores que poderão contribuir para o aperfeiçoamento da mão de obra negra.
O preenchimento de todos os itens do Balanço Social se faz necessário para que possamos ter uma visão mais ampla da alocação da mão de obra negra. Isso nos possibilita reivindicar, juntamente com a adesão do empresariado, ações que visem a capacitação e absorção de mão de obra negra, e dessa forma romper com o circulo vicioso do racismo brasileiro, que produz e naturaliza o lugar de subalternidade da pessoa negra.
A dificuldade encontrada no mercado de trabalho pelos trabalhadores negros, mulheres e pessoas portadores de necessidades especiais pode ser aferida na última pesquisa elaborada pelo Instituto Ethos, em parceria com a Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV-EAESP), o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e o Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (Unifem), que teve o patrocínio do Branco Safra, CPFL Energia e Philips do Brasil, além do apoio institucional da IAF – Perfil Social, Racial e de Gênero das 500 Maiores Empresas do Brasil e Suas Ações Afirmativas – , lançada em dezembro de 2003, que procurou mapear as ações afirmativas desenvolvidas pelas empresas.
Segundo os dados levantados pela pesquisa, que selecionou as empresas com base no guia das 500 maiores empresa brasileiras listadas pelo Balanço Anual da Gazeta Mercantil, a presença de mulheres e negros é sub-representada se comparada à participação percentual desses grupos na sociedade brasileira e na população economicamente ativa.
Para as mulheres os dados da pesquisa registram que sua presença em cargo de diretoria é de 9%, contra 6% da pesquisa anterior; na gerência encontramos um percentual de 18%, 28% no cargo de supervisão e 35% do quadro funcional.
Para os negros, encontramos a seguinte representação: para o cargo de diretoria tivemos uma redução na comparação das duas pesquisas: na pesquisa atual ocupa 1,8% contra 2,6% da pesquisa anterior. Para as demais ocupações encontramos os números de 13,5% dos supervisores, 8,8% dos gerentes e 23,4% do quadro funcional.
Os dados revelam, além da pouca representação de mulheres e negros nos cargos de direção ou chefia, que sua representação aumenta na medida em que se desce na escala hierárquica, ou seja, a ascensão aos postos mais altos da carreira lhe são vetados ou dificultados. Ressaltamos novamente a situação da mulher negra, que num universo de 6016 mulheres que ocupam cargo de gerência levantados pela pesquisa, temos somente 372 negras, e em cargo executivo, 3 casos num universo de 3688 mulheres executivas.
Notamos as mesmas dificuldades, de inserção no mercado de trabalho ou representação nos cargos hierárquicos, para as pessoas com necessidades especiais. Segundo o Censo 2000, os deficientes representam cerca de 24,6 milhões de pessoas (14,5% da população) e sua contratação está amparada por legislação que prevê um sistema de cotas, mas estão assim representados na escala hierárquica das empresas: 1% da diretoria, 3,7% na gerência, 1,6% do quadro de chefia e 3,5% do quadro funcional das empresas.
Apesar dos dados se basearem nas repostas de 247 questionários que foram respondidos do universo de 500 empresas, ou seja, 49,4% do universo visado, correspondendo a 1,2 milhão de funcionários, podemos considerar que a pesquisa é bem representativa da situação em que se encontra a questão da diversidade nas empresas brasileiras. Podemos aferir, com base no resultado da pesquisa, que há ainda um longo caminho a ser percorrido na luta pela equidade dos diversos grupos nas empresas brasileiras. Outro dado que corrobora esta afirmação é que das iniciativas que estão sendo implementadas pelas empresas para promover ações que permitam a equidade de gênero e raça, 32% visam a contratação de deficientes, 24% desenvolvem projetos na comunidade que visam a melhor capacitação profissional e somente 3% priorizam a contratação de pessoas com mais de 45 anos ou tem políticas a serem desenvolvidas para a promoção de diversidade étnica ou de gênero, e, mais especificamente, somente 1% das empresas diz manter programas para melhorar a capacitação profissional de negros.
Como podemos notar, não há um compromisso da maioria das empresas em promover a diversidade étnica ou de gênero em suas empresas, sobretudo no topo da hierarquia empresarial, mas, pior ainda, o compromisso com o aprimoramento do profissional negro não está entre as prioridades das empresas.
Mas tem havido movimentos de sensibilização junto às empresas e também delas próprias, no sentido de promover ações que buscam a igualdade social. A Bovespa Social criou um portifólio de Programas e Projetos Sociais com o objetivo de angariar recursos para Organizações Sociais. Esse Programa disponibiliza ações sociais nas quais as empresas podem fazer investimento, comprando ações sociais. Uma das iniciativas que está sendo oferecida é o projeto CERNEGRO – Centro de Referência do Negro – entidade civil sem fins lucrativos, que tem suas ações na luta contra a discriminação racial e na promoção social da comunidade negra, de baixa renda, do Distrito Federal.
Iniciativa voltada para a especialização da mão de obra de afrodescendentes o projeto Diversa, que tem o apoio do Pensamento Nacional das Bases Empresariais-PNBE, agrega 14 empresas da área de informática e emprega 6 mil funcionários. O projeto tem por meta a inclusão de 10% de afrodescendentes em 5 anos sem prejuízo dos funcionários já empregados. A presença de afrodescendentes nesse segmento empresarial é de menos de 1%. A idéia consiste na criação do Fundo Comum de Combate à Discriminação com a contribuição voluntária de 1% do salário de cada funcionário e outros 2% das empresas para cada contribuição de funcionários. Esse fundo será utilizado tanto para assegurar a contratação sustentada de afrodescendentes como para investir na formação de futuros profissionais com as qualificações exigidas por essas empresas dada a quase inexistência de profissionais negros com o perfil exigido por elas (reflexo das desigualdades educacionais), o que atende ainda à necessidade de inclusão desse contingente às tecnologias de ponta.
Atuando na outra ponta dos problemas produzidos pela exclusão racial, ou seja, sobre o déficit censitário de negros com nível superior, surge o projeto Afro-Ascendentes. É um projeto de ação afirmativa de iniciativa do Instituo Xerox do Brasil desenvolvido simultaneamente no Rio de Janeiro e em São Paulo em parceria com organizações da sociedade civil que objetiva, em seu primeiro ano, inserir em cada uma dessas cidades 20 jovens negros em universidades públicas e privadas de boa qualidade, acompanhá-los e orientá-los durante a graduação, facilitar estágios em empresas parceiras e propiciar condições para o desenvolvimento integral de talentos. A duração do projeto é de sete anos em média. Ele pretende incluir uma nova turma a cada ano, 100 novos jovens em São Paulo e 100 no Rio de Janeiro.
Outro projeto focado diretamente na educação é o Geração XXI, iniciado em 1999 e que tem o apoio da Fundação BankBoston. O projeto assiste 21 jovens negros/as, garantindo seus estudos da 8ª série até a conclusão da universidade. O resultado imediato dessa ação é produzir condições de aprendizado e de desenvolvimento de talentos, acesso a novas linguagens e tecnologias, resultando na ampliação das possibilidades de equidade nas condições econômicas, sociais e culturais.
CERNEGRO, Diversa e Afro-Ascendentes e Geração XXI são importantes iniciativas voltadas para a valorização, inclusão e implementação de políticas voltadas para afrodescendentes que afirmam que o tratamento diferenciado aos historicamente discriminados constitui mecanismo insubstituível para a promoção da equalização das oportunidades sociais e consequentemente para a consolidação da democracia e realização da justiça social.