Brasil faz mais que o dobro de cesarianas que o recomendado

Por: Camila Neumam

Número corresponde a 35% dos partos do SUS; OMS pede no máximo 15%

 

Dos quase 2 milhões de partos realizados no Brasil pelo SUS (Sistema Único de Saúde) em 2009, 687.400 foram cesarianas, o que corresponde a 35% de todos os partos realizados no país. A porcentagem representa mais que o dobro do número de cesarianas recomendado pela OMS (Organização Mundial de Saúde), que considera aceitável que esse índice seja de até 15%.

A taxa é ainda maior na saúde suplementar, que representa os brasileiros que têm planos de saúde. Segundo a ANS (Agência de Saúde Suplementar) informou ao R7, o número de cesarianas representou 84% do total de partos realizados em 2009. E esse número vem crescendo a cada ano – o índice foi de 82% em 2008 e de 80% em 2007. Questões econômicas e sociais são os principais fatores que fazem o número de cesarianas ser tão alto no país.

Para entender o fenômeno, o CFM (Conselho Federal de Medicina) e a Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia) lançaram na semana passada uma coleta de dados com ao menos 16.163 ginecologistas e obstetras, que responderão a um questionário pela internet sobre o assunto. O relatório deve ser divulgado em setembro.

 

De acordo com um dos coordenadores do levantamento, José Fernando Vinagre, da Comissão de Parto Normal do Conselho Federal de Medicina, a coleta de dados visa entender o que causa esse exagero.

– A nossa finalidade é também chegar ao real posicionamento dos obstetras diante do parto normal e da cesariana, e quais situações estão levando a isso.

Médicos querem receber 600% a mais por parto

No mês passado, a Sogesp (Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de São Paulo), começou uma campanha a favor do aumento da remuneração nas consultas e nos partos, alegando serem irrisórios os preços pagos pelos planos de saúde.

Segundo o presidente da associação, César Eduardo Fernandes, os planos pagam em média R$ 25 por consulta e R$ 200 pelo parto normal ou cesariana. De acordo com Fernandes, a remuneração não é suficiente para cobrir os custos básicos de um consultório, e, com isso, manter um atendimento adequado. Por isso, a Sogesp pede reajuste de ao menos R$ 100 por consulta e R$ 1.000 por parto das operadoras.

– O ginecologista precisa ter ao menos três funcionários, por mais simples que seja o consultório – alguém no atendimento, enfermeira de sala e alguém da limpeza – além de ter de pagar os materiais, equipamentos, condomínio. Fazendo os cálculos, sobra menos de R$ 4 líquido por consulta, um valor ridículo que não possibilita prestar um atendimento adequado.

Enquanto um parto normal pode demorar horas para ser realizado, pois depende do tempo de dilatação do colo do útero, uma cesariana, agendada, não dura nem uma hora. Diante disso, a conta é simples. Se o obstetra ganha ao menos R$ 200 para fazer um parto normal ou uma cesariana, ao optar pelo segundo procedimento, em um dia ele pode receber muito mais.

Procurada, a FenaSaúde (Federação Nacional de Saúde Suplementar), que representa 17 empresas responsáveis por cerca de 18 milhões de beneficiários (34% do total), mas não respondeu até o fechamento da reportagem.

Para a obstetra Lucila Nagata, da Comissão de Mortalidade Materna da Febrasgo, o fator econômico realmente pesa na escolha.

– Na verdade os médicos deixam de acompanhar o procedimento para ganhar mais, porque em um trabalho de parto a paciente tem que ficar seis, dez horas sendo acompanhada e hoje em dia os médicos têm outros empregos e não têm essa disponibilidade, apesar de ser este o correto.

Uma das formas de incentivar o parto normal entre os próprios médicos, segundo Lucila, seria adotar um sistema semelhante ao do serviço público de saúde dos Estados Unidos. De acordo com a ginecologista, a gestante norte-americana é estimulada a fazer o parto normal sem o acompanhamento integral de seu médico. Ela fica sob cuidados de uma equipe, que aciona seu obstetra quando ela está prestes a entrar em trabalho de parto.

– Tem que mudar a mentalidade dos médicos e das pacientes do serviço privado. Elas têm que ter consciência que o médico não estará disponível durante o parto todo. Assim, a gestante poderia ficar sob cuidados de uma equipe médica qualificada até a hora de realmente for dar à luz.

Violência influencia na escolha

Até mesmo o medo da violência pode influenciar na escolha do tipo de parto. Para a ginecologista da Febrasgo, poder agendar o dia traz a conveniência de não precisar ir à rua de madrugada, por exemplo, nem de pegar trânsito.

– Às vezes a gente sabe de colegas que gostariam de fazer parto normal, mas para uma médica que tem um paciente no Rio ou em São Paulo, há problemas de violência, locomoção difícil. Imagine sair de madrugada e o correr risco de ser assaltado? A própria paciente prefere ficar mais segura a se arriscar, pegar trânsito.

 

 

Fonte: R7

 

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