Canibalismo e Racismo: A Devoração do Outro

por Sérgio Martins

Meiwes, um homem de cerca de 42 anos, em 2001, colocou um anúncio na Internet, em um grupo de relacionamento, onde fazia o seguinte convite: “Venha para mim e eu comerei sua deliciosa carne”, manifestando seu desejo de praticar canibalismo; recebeu várias respostas entre elas do engenheiro Bernd Juergen, de 43 anos, que de livre consentimento aceitou o convite para ser devorado.

No depoimento no Tribunal penal na alemão, Meiwes descreveu com detalhes o ato praticado: “Ele me pediu que cortasse seu pênis para comermos juntos, mas me fez prometer que eu só o mataria quando ele estivesse inconsciente”, contou. O técnico arrancou o pênis do engenheiro com uma faca de cozinha, cortou ao meio e fritou em óleo. Depois, serviu com vinho. Não comeram tudo porque a carne ficou rígida, intragável. Nesse momento, Juergen desmaiou. Foi então que o canibal decidiu esquartejá-lo e separou 30 quilos de carne que comeu durante dias.

Segundo Luiz Flávio Gomes, o juiz VolkerMuetze, autor da sentença condenatória por homicídio, proferida em 30 de janeiro de 2004, descreveu a vítima e o condenado como ‘duas pessoas com profunda perturbação mental que queriam algo uma da outra’. Com a ingestão de partes do corpo de Brandes, Meiwes buscava uma estreita união com outro ser humano. Afastando as teses da acusação de assassinato para satisfação dos apetites sexuais e da defesa de morte por consentimento da vítima.

Muitos de nós, passamos boa parte de nossas vidas em busca do reconhecimento por parte do outro, buscando uma troca de sentimentos, valores e percepções. Há sempre outro, onde projetamos nossos desejos e lutamos para conquistá-los. No entanto, determinadas pessoas, focam no outro suas perversidades e planejam realizá-las com requintes de crueldades. Se por um lado, o canibalismo nos assusta tanto, deveria também o racismo fazê-lo. Até porque já assistimos em nosso planeta vários genocídios em nome de uma suposta superioridade racial e aqui, bem perto de nos, vários atos de brutalidade cometidas diariamente contra os afrodescendentes.

O racismo engendra um jogo de poder, às vezes oculto, que lhe permite realizar a apropriação e o esvaziamento do outro, sem seu consentimento, utilizando um discurso indireto, à exemplo do caso brasileiro, ou pela uso da força física, como foi o regime do Aparheid na África do Sul.

Nas duas formas de manifestações do racismo a morte é uma das possíveis conseqüências, mas em nosso caso, os assassinatos cometidos contra jovens negros nas periferias das grandes cidades não são classificados como crimes de motivações raciais, ainda que, os “caçadores” identifiquem previamente as suas vítimas pelo seu pertencimento étnico e sentenciam sua morte, justificando com a seguinte afirmação: “aquele neguinho não vai dar em nada, mesmo”.

Enquanto, o canibalismo mata e devora para buscar uma fusão com outro, o racismo, elimina por não aceitar que o outro seja elevado á condição humana, ou seja, no mesmo patamar que o agressor. Com efeito, a devoração ou a eliminação são igualmente perversas porque retira do outro a vida física ou simbólica. Observa-se que tanto os canibais como os racistas, após terem cometidos seus atos permanecem vivos, não se auto-eliminam em razão do outro ou pelo outro.

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