Cara de um, focinho do outro

Íamos pela avenida Dr. Arnaldo, incrivelmente livre de trânsito, quando minha irmã Cláudia soltou a frase que inspirou o presente texto. Falávamos sobre quais tópicos do cotidiano e comportamento merecem ser debatidos. Então, ela pontuou: Política, por exemplo. Se não se discute política, é a guerra. Adorei a frase, pois é isso mesmo. Política é coisa pública, algo que – queiramos ou não – interfere diretamente sobre o preço do pãozinho e a subjetividade de cada um. Ninguém está imune a ela. Com consciência, sem consciência, gostando, detestando, a política está em toda parte.

Por Fernanda Pompeu Do Yahoo

Algumas pessoas pensam que política é manifestação do cálculo e da razão. Mas eu também acho que política tem muitíssimo a ver com emoções. Amigos deixam de ser amigos, mulheres rompem com maridos, filhos brigam com pais por conta de crenças e posições ideológicas! É como se, mesmo discordando, eu tolerasse tudo o que uma amiga pensa de si mesma, mas quando ela fala da coletividade, do país, eu quero que o pensamento dela coincida com o meu. Letra a letra. Quem não está comigo, está contra mim.

Neste 2015 brasileiro, as redes sociais vêm mostrando de forma acachapante a falta de debate e a negação de diálogo entre divergentes políticos. Não se roçam pontos de vista. Se trocam ofensas. A história toda se dá pela antiquíssima estratégia de desautorizar não o argumento do outro, mas a própria pessoa. Quem não pensa como eu, pensa contra mim.

Uns poucos criam, muitos copiam. Petralha para quem é simpatizante do PT, ou do pensamento de esquerda. Tucanalha para quem é simpatizante do PSDB , ou do pensamento de centro. Golpista para quem é simpatizante da direita. Ah, dinossauro para quem, como eu, ainda usa os conceitos de esquerda, centro, direita. Reparo que petralha e tucanalha são palavras gêmeas que trancam o debate. Apelidos que se equiparam. Nas trocas de pedradas verbais, ninguém convence ninguém.

Penso que mais do que duelar por conta das diferenças, o eficaz seria procurar os pontos de concordância. As conexões possíveis e produtivas. Todos querem educação de qualidade e saúde universal. Todos acreditam que nenhum cidadão deva ser condenado à miséria e ao abandono. Então por que não avançar em torno dos termos comuns? Se não ouvirmos os adversários políticos, se não articularmos discussões honestas e respeitosas, aí sim – como falou minha irmã Cláudia – entraremos em guerra.

+ sobre o tema

Marcos Coimbra: Serra nacionalizando São Paulo

Nacionalizando São Paulo por Marcos Coimbra Chega a ser comovente...

Perseguição a servidores e o desmonte das instituições

Opção do atual governo por encerrar importantes políticas públicas...

Samba, memória e poesia contra as injustiças do Estado

Cordão leva protesto contra os crimes do Estado durante...

para lembrar

Do que precisamos

Por Fernanda Pompeu Por longos anos acreditei que era possível...

Bastidores

Nainfância, a maioria das crianças quer comandar. Ser o...

Sim e não

A palavra trabalho vem do latim tripalium - instrumento...

Nossas excelências

Acho que eu estava perto dos 50, quando começaram...

Fátima Oliveira dos 1000 Legados

Temos trabalho e prazer para muitas gerações Por Fernanda Pompeu em seu blog  Em 2005, tive a honra e o prazer de entrevistar a médica Fátima Oliveira (1953-2017)....

A vida é raçuda

Alvorada Acordar cedo é fonte de sofrimento para Celina Macunis. Toda vez que é obrigada a sair da cama antes das 10, vivencia a espantosa...

Luiza Bairros (1953-2016)

Morreu no 12 de julho 2016 a grande Luiza Bairros. Ela foi de tudo: ativista, professora, ministra. Gaúcha e baiana. O texto que segue...
-+=