Carlos Marighella, mais vivo do que nunca

O professor e deputado baiano, protagonista de dois filmes com sua trajetória de guerrilheiro contra a ditadura de 64 tem sua memória viva em especial entre a geração de jovens

Marighella, retrato falado do guerrilheiro, documentário clássico da série Memória, de Silvio Tendler*, deve ser relembrado e se insere na presente temporada de expectativa para o lançamento do outro filme Marighella, esse de Wagner Moura, que enfim estréia no próximo dia 4 de novembro, em 300 salas de cinema do Brasil. Cinquenta e dois anos após o assassinato do deputado baiano, guerrilheiro, professor, poeta e deputado federal constituinte, líder de um dos maiores movimentos de resistência contra a ditadura civil-militar no Brasil, na década de 1960, ele tem sua vida e trajetória rememoradas em especial para as gerações mais jovens.

O longa relata os últimos anos da vida do ‘principal inimigo da ditadura’, cofundador da Ação Libertadora Nacional, (ALN), o primeiro movimento armado pós-64, e marca a data do seu assassinato, em 69, numa emboscada, na rua Alameda Casa Branca, em São Paulo, num 4 de novembro.

Por sua vez, o doc de Tendler, realizado em 2001 e com duração de uma hora, conta com o jornalista e escritor (Premio Jabuti) Vladimir Sachetta como consultor da esmerada pesquisa de Antonio Fernandes e Clarisse Mantuano, e faz parte da série de outros retratos do cineasta. Alguns deles: Josué de Castro, Glauber Rocha, Oswaldo Cruz, Milton Santos, JK, J. Carlos, Jango, Haroldo Costa.

Vários dos entrevistados no filme de Silvio Tendler acentuam o caráter de Marighella, um rebelde que costumava ir contra a corrente (como depõe Carlos Eugenio Paz), pessoa alegre, um criador, inquieto, que escrevia poemas e era muito amado pelos amigos.

”O conformismo é a morte”, dizia o filho de mãe negra, baiana, Maria Rita do Nascimento, descendente de escravos sudaneses, e de pai imigrante italiano, Augusto, um operário metalúrgico.

Nascido em Salvador em 1911, chegou a ser ferido com um tiro no peito, preso e torturado pela pMrimeira vez, na capital baiana, aos 25 anos, quando foi um quadro comunista atuante durante o Estado Novo de Vargas.

Eleito deputado federal pelo Partido Comunista Brasileiro (originalmente Partido Comunista do Brasil), Marighella considerava a tribuna política ”importante trincheira de debates” durante a breve fase de legalidade do PCB que não durou muito: logo Harry Truman deu ordem a Eurico Dutra para proibir e fechar a agremiação, ressalta o doc.

Apolônio Carvalho é um dos ilustres entrevistados do documentário. Dentre eles, Jacob Gorender, Noé Gertel, Carla Charf, mulher e companheira de Marighella, Carlos Augusto Marighella, a irmã Tereza, entre outros.

Como ocorre com toda a obra de retratos cinematográficos de Tendler, esse é um doc que deve ser visto/revisto neste momento importante de luta contra as investidas que pretendem implantar no país novamente uma ditadura – modelo híbrido, século 21, porém ditadura.

Não se trata de uma sucessão de cabeças falantes intercaladas com sequências de filmetes históricos. Marighella é objetivo e novamente entrega a aguda sensibilidade jornalística na linguagem de cinema do autor. Conteúdo direto, cortes precisos sempre, vivacidade no relato.

Por outro lado, segundo Wagner Moura, o seu projeto – o primeiro como diretor – era lançar Marighella em novembro de 2019, mas o filme foi objeto de censura do governo Bolsonaro. Agora, sem pretextos para censurá-lo porque os ventos políticos começam a mudar, a trajetória do longa metragem acrescenta a estréia brasileira à lista de suas apresentações internacionais: Festival de Berlim de 2019, onde foi aplaudido de pé. Festival de Seattle, Hong Kong, Sydney, Santiago, Havana, Istambul, Atenas, Estocolmo e Cairo.

Para o escritor Mario Magalhães, autor do livro Marighella, oguerrilheiro que incendiou o mundo (Cia das Letras de 2012), adaptado para o cinema por Moura, lançar a história do cultuado herói da resistência armada no país nas telonas é um ”ato de coragem”, como ele observou em entrevista a José Eduardo Bernardes e Mariana Pitasse no site Brasil de Fato.

“Ainda mais em tempo de novos censores, que querem impedir que se conte a história como a história aconteceu. Ninguém é obrigado a gostar de Marighella. Mas julgá-lo sem conhecer sua trajetória é estupidez. Marighella nunca provocou tanto amor e tanto ódio. Ele está mais vivo do que nunca”, frisa o escritor.

O ator, cantor e compositor carioca de Belfort Roxo, Seu Jorge, (Jorge Mário da Silva) está no papel título. Bruno Gagliasso, Luiz Carlos Vasconcellos, Herson Capri, Humberto Carrão, Adriana Esteves, Bella Camero, Maria Marighella, Ana Paula Bouzas, Carla Ribas, Jorge Paz integram o elenco do longa que relata os últimos anos de Carlos Marighella. E na página @marighella_ofilme, no Instagram, é possível acompanhar as filmagens do longa de Wagner Moura através a Bahia, São Paulo e Rio de Janeiro.

Destacamos que a (pre)ocupação central de Marighella, como pretende deixar claro o filme de Wagner Moura, sempre foi a de divulgar a luta contra a repressão, a tortura e a ditadura entre as gerações de jovens; moças e rapazes. E escreveu o Mini Manual do GuerrilheiroUrbano (venda disponível na internet) com o objetivo de popularizar táticas de guerrilha. Era seu objetivo, como deixou escrito, “não somente ler este manual aqui e agora, mas difundir seu conteúdo”.

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