Carolina Almeida é a nova delegada do W20 (Women 20)

Trajetória em organização de mulheres negras contribuiu para sua inserção no grupo do G20 voltado às questões de gênero

Carolina Almeida, assessora internacional de Geledés – Instituto da Mulher Negra, passou a integrar o seleto organismo de delegadas do W20 (Women 20). Sua chegada ao grupo do G20 voltado às questões de gênero foi o resultado de um longo ano de articulação, escuta e incidência política. A experiência anterior como cofacilitadora do C20 (Civil 20), outro grupo de engajamento do G20, dedicado à participação da sociedade civil, serviu lhe como um caminho para chegar ao W20. Porém, o W20 tem um funcionamento distinto do C20 e a inserção de suas participantes se dá de forma física e não institucional, como explica Carolina. “No W20, a participação se dá como pessoa física, com base no seu acúmulo de experiência na área de gênero. É a delegação nacional que decide quem entra e quem sai.”

O W20 completa 10 anos de existência em 2025 e, assim como os outros grupos de engajamento, foi estabelecido como um instrumento consultivo e de elaboração de recomendações à cúpula dos chefes de Estados membros das Nações Unidas. Ele reúne especialistas e lideranças femininas de diversos países com o intuito de promover a equidade de gênero nas políticas públicas globais. Diferentemente do C20, no qual organizações da sociedade civil são selecionadas para cofacilitar grupos de trabalho temáticos, o W20 é formado por delegadas nomeadas. São essas delegadas responsáveis pela redação do chamado communiqué — um documento político, construído por consenso entre as participantes, que traz visões e recomendações para a agenda da presidência do G20. “É o comunicado final do grupo, entregue ao à Cúpula do G20, que expressa as prioridades das mulheres nos temas discutidos”, resume Carolina.

Atualmente, o W20 Brasil é liderado por Adriana Carvalho, e conta com as delegadas Ana Fontes, Camila Achutii, Kamila Camilo, Maria José Tonelli, Maria Rita Spina Bueno e Janaína Gama. O Conselho Nacional é composto por Ana Carolina Querino (ONU Mulheres), Rebecca Tavares (ONU Mulheres), Sueli Carneiro (Geledés), Neca Setubal (Fundação Tide Setubal), Luiza Trajano (Grupo Mulheres do Brasil) e Sabrina Sciama (Fundo de População das Nações Unidas – UNFPA).

O tema da interseccionalidade foi um dos grandes marcos da participação brasileira no W20 durante a presidência do Brasil no G20. “É sobre enxergar as múltiplas dimensões da desigualdade, não apenas gênero, mas também raça, deficiência, classe, entre outras”, destaca Carolina.

A abordagem racial está diretamente entrelaçada à trajetória de Carolina. Originária de Ribeirão Preto (SP), ela é graduada em Relações Internacionais e Ciência Política na UnB, com mestrado e doutorado na área de migrações e raça. “No meu doutorado, estudei migrações latino-americanas com ênfase na questão racial. Não era especificamente sobre gênero, mas me deu ferramentas para analisar desigualdades estruturais na região, a partir do nosso lugar latino, negro, feminino”, explica. Esse acúmulo somado à experiência no Geledés contribuiu para que sua voz tivesse eco nas discussões sobre direitos humanos— especialmente quando a temática se tratava da condição das mulheres negras no Brasil.

Carolina começou a acompanhar os trabalhos do W20 em abril de 2024, durante o primeiro diálogo nacional do grupo, dedicado ao empreendedorismo feminino. “Fui como representante de Geledés porque em nosso núcleo internacional, eu e o assessor internacional Gabriel cuidávamos do G20”, recorda. A partir desse momento, sua presença no grupo se intensificou.

A assessora internacional de Geledés era constantemente convidada a participar de reuniões, seminários e do próprio W20 Summit — o encontro internacional que consolidou os debates do ano. Sua performance proativa chamou a atenção da liderança da delegação brasileira, que vinha buscando ampliar a diversidade de vozes. “Foi uma aproximação construída. A co-head me procurou diretamente e conversamos sobre a possibilidade de eu integrar o grupo oficialmente”, conta.

Um dos eixos centrais do W20, a economia do cuidado, foi impulsionado pela criação da Política Nacional de Cuidados no Brasil e articulado com outras delegações. “Na Índia, o tema já tinha sido citado, mas no Brasil houve uma intensificação. Levei a perspectiva das mulheres negras que estão na base dessa cadeia de cuidados, muitas vezes invisibilizadas, e isso ajudou a reforçar a dimensão racial na formulação das recomendações”, relata.

Carolina também se destacou ao trazer a temática sobre o empoderamento econômico das mulheres negras. Em novembro passado, em parceria com Ipea, ONU Mulheres, Civil Society 20 (C20) e o próprio W20, Geledés promoveu o evento Empoderamento econômico da população afrodescendente e o papel dos Bancos Multilaterais e dos Bancos Nacionais de Desenvolvimento. O debate, em que Carolina representou Geledés, gerou um importante documento sobre a temática.

Com essa bagagem, em suas intervenções nas reuniões do W20, Carolina fez algumas ressalvas sobre o modelo de empreendedorismo promovido. “Queremos superar os desafios que obstaculizam a emancipação econômica das mulheres afrodescendentes, fugindo da armadilha da narrativa mercadológica do empreendedorismo, que não tem conexão com a nossa realidade.” Segundo ela, os traços coloniais e racistas ainda moldam a estrutura produtiva do Brasil, mantendo as mulheres negras na base da pirâmide social, com os piores salários e condições de trabalho.

Com a presidência do G20 em 2025 nas mãos da África do Sul, Carolina segue como delegada brasileira. O W20 funciona em sistema de tróica, em que três países (o anterior, o atual e o próximo a presidir o G20) coordenam juntamente os trabalhos. Atualmente, a tróica é formada por Brasil, África do Sul e Estados Unidos. Essa estrutura visa garantir continuidade política às prioridades do grupo. “Temos reuniões quinzenais e a tróica participa ativamente da redação do comunicado final e da organização do processo. A ideia é alinhar estratégias entre países que enfrentam desafios parecidos — como Brasil e África do Sul, ambos com histórico de desigualdades raciais e de gênero”, explica.

Para Carolina, sua presença no W20 é uma síntese de uma trajetória marcada pelo compromisso com justiça social e equidade. “O que eu estudo, o que eu pesquiso e o que eu pratico em Geledés se encontra no W20. Estou ali como uma mulher negra, internacionalista, cientista política e ativista. E o que eu levo é essa experiência de um Brasil real, que precisa ser ouvido nos espaços”, conclui.

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