Nós do Comitê Latino Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher – CLADEM Brasil, fomos surpreendidas negativamente, nesta data, pelas notícias – nos jornais – de que você, Flávia Piovesan, integrante da rede feminista CLADEM, aceitou o convite do Governo Interino para ocupar a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, vinculada ao Ministério da Justiça.
Não nos espanta o convite. Decerto, sua trajetória como jurista e com a agenda dos Direitos Humanos é conhecida no Brasil. Fosse este um Governo democraticamente eleito, sua posse seria prestigiada por todos os movimentos sociais: feministas, militantes de direitos humanos, militantes do movimento negro, LGBT, vítimas da ditadura militar, pessoas com deficiência, entre outros segmentos minoritários, todas nós a aplaudiríamos de pé.
Mas não é o caso. O atual governo é forjado, ilegítimo e derrubou toda a estrutura institucional das políticas públicas brasileiras. Dessas decisões, os direitos humanos e os grupos conhecidos como mais vulneráveis são afetados como nunca. A sua trajetória não converge com a proposta de governo.
O Brasil está sob o mais duro golpe, com profundas semelhanças ao golpe de 1964, como o apoio da mídia e dos grupos de maior poder econômico no país. E, sem nenhum fundamento jurídico legítimo, a primeira mulher a ocupar a presidência, Dilma Rousseff, eleita por 54 milhões de brasileiros e brasileiras, foi deposta, em um processo impulsionado por manifestações de puro ódio e misoginia. Acordos espúrios de todo tipo foram feitos para tanto, especialmente com os grupos mais conservadores da política nacional. Desrespeito total às urnas sem argumentos, apenas respeitando um rito que cumprira um roteiro usurpador.
Em seu primeiro ato de Governo, Michel Temer mostrou a que veio e quais são suas prioridades: extinguiu o Ministério de Mulheres, Direitos Humanos e Igualdade Racial, o Ministério da Cultura, o Ministério das Comunicações, o Ministério do Desenvolvimento Agrário, dentre outras Secretarias. Para o alto escalão do governo, só convidou homens, brancos, que se apresentam como heterossexuais. Diante de um quadro longe da realidade social do país e baixa representatividade, é nítido de que nossas pautas serão silenciadas. É inacreditável que você Flávia Piovesan, que nos é tão cara, tenha concordado em ser a “cota” feminina de um governo com esse viés, totalmente distante dos grupos ditos minoritários e que se mostra misógino.
Para o Ministério da Justiça, Michel Temer convidou Alexandre de Moraes, conhecido por pouco afeto ao respeito aos Direitos Humanos em São Paulo. Como ministro-chefe da Secretaria de Segurança Institucional, convidou o general Sérgio Westphalen Etchegoyen, crítico feroz da Comissão da Verdade e da política de Direitos Humanos. Como pretende compartilhar o mesmo espaço político com essas pessoas, Flavia Piovesan? Infelizmente, você não terá ao seu lado os movimentos e organizações que batalham por direitos humanos nas ruas.
Como admiradoras da sua pessoa, cabe a nós acreditar que você está em uma terrível ilusão. Isto é, acredita que fará a diferença no meio de desmandos autoritários. As condutas arbitrárias e movidas por razões de cunho pessoal são incompatíveis com os marcos dos direitos humanos.
O espaço que lhe foi oferecido é um retrocesso. Um prêmio de consolação às mulheres que ousaram reclamar da ausência de representação feminina nos Ministérios. Uma maquiagem institucional que fere muito a admiração que ativistas de direitos humanos depositavam em sua trajetória até o dia de ontem. Um lugar entre o decorativo e o ornamental na burocracia do governo interino. Um espaço que não condiz com sua trajetória de luta, tampouco faz jus ao que sempre lutamos pelo CLADEM.
Não legitime esse golpe. Recue! Não empreste seu nome a um governo ilegítimo. Não tente legitimar um Ministério formado apenas por homens. Não tente legitimar a extinção do Ministério de Mulheres, Direitos Humanos e Igualdade Racial. Não se conforme com o andar de baixo.
O fato de ter no governo uma figura como você, de tamanho relevo nos organismos de direitos humanos, como a Organização dos Estados Americanos, não trará de volta a democracia necessária para que o Brasil retome o diálogo com os demais Estados e com os governos construídos das urnas.
Não aceite esse convite. Não dê as costas à sua história e às suas lutas. Ainda há tempo para ouvir as integrantes de uma rede através da qual defendeu nobres bandeiras, que a chamam para a luta por democracia, direitos humanos (de verdade!) e igualdade. Nada de bom pode ser construído em ambientes misóginos e antidemocráticos.
Brasília, 17 de maio de 2016.
CLADEM Brasil
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