Casamento no Candomblé ao som de tambores africanos

POR ELI ANTONELLI

Casamentos nos espaços sagrados das religiões de matriz africana tornam-se mais frequentes no Brasil

Não tinha nada em comum, nem um ponto que pudesse identificar que poderia dar certo. Mas, foi o jeito simples, simpático e o comprometimento dele no candomblé e pela busca intensa de conhecer e entender a religião – mesmo não fazendo parte dela – que me chamou a atenção pela primeira vez”. Isabela Silva, de 25 anos, estudante de pedagogia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), pesquisadora de questões raciais e militante em prol da luta contra a intolerância religiosa, descreve assim o início do amor pelo estudante de direito Diogo de Rezende. Relação que iniciou numa festa e se concretizou na cerimônia religiosa de casamento ocorrida este ano no terreiro Ile Axé Kiniba, na cidade de Colombo, região metropolitana de Curitiba.

A cerimônia foi realizada pelo babalorixá Jorge Kibanazambi, que chama a atenção para o fato de que, durante muitos anos, desde o período colonial havia uma predominância da igreja católica no Brasil, em que os sacramentos só eram aceitos se fossem oriundos do catolicismo. Esse fato tornou-se tão inserido no cotidiano das pessoas que, mesmo após a permissão e o reconhecimento por meio de leis e da própria Constituição Federal de 1988, é de hábito dos fiéis de religiões de matriz africana – segundo o babalorixá – consumar os batizados e casamentos na igreja católica. “Muitos têm a percepção que é a única Instituição ainda em condições legais para realizar tais atos. Não que se tenha qualquer forma de discriminação, porém, cada religião tem seus rituais e suas cerimônias para todas as necessidades de seus fiéis. E as de matriz africana incluíram-se nessa colocação”, explica Jorge Kibanazambi.

O coordenador de articulação política do Fórum Paranaense das Religiões de Matriz Africana (FPRMA), Marcio Marins participou da organização da cerimônia da união dos jovens, que teve como tema o orixá Oxum, que tem a representação do amor. Ele afirma que o casamento de Bella e Diogo foi um exemplo de atitude. “Temos realmente o costume de realizar o sacramento do matrimônio na igreja católica, até mesmo babalorixás e yalorixás se casam fora dos terreiros. Essa ação aqui nos ajuda a fortalecer a religião para que possamos reconhecer que somos de matriz africana com vários nomes, mas não precisamos recorrer a outras entidades religiosas para realizar a cerimônia de casamento”, diz. Para Marcio, a união ocorrida no candomblé aumenta a autoestima da população de terreiro e faz com que cada vez mais as pessoas busquem e reivindiquem seus direitos civis.

Izabella e Diogo durante cerimônia no terreiro Ile Axé Kiniba, em Colombo, região metropolitana de Curitiba

O CASAMENTO NO CANDOMBLÉ

O babalorixá Jorge ensina que na cultura iorubá (Nigéria/África), seguida em seu terreiro, a família é a base fundamental da sociedade e o pilar que dá condição para a prosperidade do ser humano. Embora o sistema seja patriarcal, as mulheres desempenham a sustentação familiar, porque é ela quem tem a responsabilidade da harmonia, da educação e formação cultural do seu povo. Por isso, a escolha de uma esposa é extremamente importante. “Existe todo um ritual para a aceitação do casamento, com preparativos até a consumação da união.”

Todas as questões mais rígidas que envolvem esta união, não podem ser seguidas nas famílias de descendência afrobrasileira, devido à miscigenação de raças e, com isso, os costumes e hábitos foram modificados em decorrência das influências de muitas culturas na formação da população. “Dentro da comunidade de terreiro, buscamos manter ao máximo as tradições que nos foram passadas através de gerações e, como os iorubas, também acreditamos que a benção dos pais, da família, dos amigos é importante para a felicidade dos noivos”, destaca Jorge Kibanazambi. “Através de cerimônia/ritual, invoca- se a energia conhecida como Orixá Oxalá para contemplar o casal que constituírá nova família de ‘coisa’ boa, filhos, enfim, riquezas que o ser humano não tem condições de conceder. Os familiares e amigos expressam por meio dos presentes oferecidos ao casal os desejos de felicidade, em que cada objeto tem seu significado específico.”

Fonte: Revista Raça

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