Cecília Bona, a dona da empresa de serviços gerais que atende apenas mulheres e LGBTs

A artista plástica e professora de 38 anos também dá cursos na área: “Ampliar para o público masculino é algo que pode acontecer, mas, infelizmente, rola muito mansplaning”, conta em entrevista ao HuffPost Brasil.

Por Tatiana Sabadin Do HuffPost Brasil

TATIANA REIS/ESPECIAL PARA O HUFFPOST BRASIL

Cecília Bona é a 66ª entrevistada do projeto “Todo Dia Delas”, que celebra 365 Mulheres no HuffPost Brasil.

Grifo, chave allen, soquete, corta vergalhão, rebimboca da parafuseta, biela, macete, martelo de unha. Nomes que há um tempo atrás transitavam apenas nas rodas de conversa masculina estão começando a fazer parte do universo feminino, graças à mulheres como Cecília Bona. A artista plástica e professora de 38 anos que vive em Brasília não apenas começou uma empresa de serviços gerais que atende exclusivamente mulheres e LGBTs, como também ministra cursos de reparos domésticos para eles.

Cecília sempre gostou de mexer e desmontar objetos, abrir brinquedos, desconstruir bonecas. “Quando eu era criança dizia que ia ser cientista maluca, ficou só o maluca”, ela diz e solta uma risada. “Acabei indo pro design, que também tem muito do construir, de pegar um objeto e ver como como isso é feito, como isso funciona”, completa.

Eu sempre gostei de um chave de fenda e não posso ver uma coisa com parafuso que já abro pra ver como é.

ATIANA REIS/ESPECIAL PARA O HUFFPOST BRASIL Pergunte a ela.

Cecília sabe tudo sobre grifo, chave allen, soquete, corta vergalhão, biela, macete, martelo de unha…

Ela acabou indo trabalhar em uma fábrica de óculos quando terminou a universidade. Programava maquinário, fazia linha de produto, mas sentia sua capacidade limitada às regras. Depois, começou a produzir e vender luminárias, e chegou a ganhar uma bolsa do CNPq para trabalhar com uma equipe de físicos e montar uma cabine criogênica, que servia para o tratamento de atletas com lesões musculares. Ficou tão inspirada que largou as luminárias e foi fazer um mestrado em artes e se dedicar à exposições. “Ser artista é algo que me dá uma satisfação enorme, expus em vários lugares, ganhei prêmios, mas o retorno é pouco, não tem jeito”.

Um dia se viu com um problema que acabou lhe trazendo uma solução inesperada. “A minha geladeira quebrou e eu me vi, sozinha dentro de casa, com dois caras super toscos tentando achar qual era o problema, que não me explicavam nada, que ficaram olhando tudo na minha casa e ainda me cobraram o olho da cara! Sentei, descobri o que era e consegui consertar. Foi aí que me deu um clique. Por que não existe um serviço melhor pra isso?” conta.

Muitas mulheres tem medo de estarem sozinhas e receberem esses profissionais em casa.

TATIANA REIS/ESPECIAL PARA O HUFFPOST BRASIL

Dê uma furadeira a ela e observe: “Reconhecer que existe esse mercado, é reconhecer que existe um problema maior nesta questão que envolve muito o machismo”.

A ideia de Cecília ia além dos já conhecidos “maridos de aluguel”, era criar uma relação de confiança. Ela começou a atender as amigas, depois de um boca a boca, o Bona Serviçoscomeçou a crescer e hoje ela já conta com uma funcionária que a ajuda em alguns serviços e que está sendo treinada para atender a demanda atual. “Muitas mulheres tem medo de estarem sozinhas e receberem esses profissionais em casa”, conta. “Tem uma questão do trato também, de dizer qual é o problema, do que a pessoa precisa, de quanto tempo vai durar. De criar uma relação de confiança, de entender que a pessoa não vai ser enganada. Além, é claro, do cuidado, da limpeza. Acho que reconhecer que existe esse mercado, é reconhecer que existe um problema maior nesta questão que envolve muito o machismo”.

Atualmente, a empresa atende apenas e exclusivamente mulheres, além do público gay. “Ampliar para o público masculino é algo que pode acontecer, mas, infelizmente, quando atendo homens rola muito mansplaning. Eles não conseguem ter uma troca igual, e te colocam em um nível inferior de que você não sabe de nada e é aprendiz”, pontua.

Esse grupo de suporte é incrível, não sei o que faria sem ele, e me dá uma força, uma coragem pra seguir em frente.

ATIANA REIS/ESPECIAL PARA O HUFFPOST BRASIL

A ideia de Cecília não é apenas prestar serviços, mas passar informação adiante.

Na internet, ela encontrou outras mulheres que prestam o mesmo tipo de serviço espalhadas pelo Brasil. Elas se uniram e hoje tem um grupo de WhatsApp forte com 17 mulheres onde conversam e tiram as dúvidas uma das outras. “Esse grupo de suporte é incrível, não sei o que faria sem ele, e me dá uma força, uma coragem pra seguir em frente”. comenta. Elas marcaram um encontro no ano passado em São Paulo e já programam um próximo em Salvador, onde pretender fazer alguma ação social para passar seus conhecimentos de ferramentas.

Neste ano, ela lançou em Brasília o curso “Reparos Domésticos e Ferramentas para mulheres”. As tarefas ensinadas incluíam instalar uma prateleira e trocar a resistência de um chuveiro e tomadas. As vagas se esgotaram em 24 horas e ela já tem uma lista de espera para o próximo. A ideia de Cecília não é apenas prestar serviços, mas passar informação adiante, criar uma nova cultura onde as mulheres entendem sim de ferramentas.

Mas agora elas podem. A gente é capaz, só tem que perder o medo e tentar.

 TATIANA REIS/ESPECIAL PARA O HUFFPOST BRASIL

Cecília quer, além de prestar um serviço de qualidade, mostrar que chave de fenda, prego e parafuso são coisas de mulher.

No futuro, ela também planeja fazer um curso para crianças. O filho dela, Jonas, 7 anos, acompanha a mãe em alguns serviços e já questionou porque ela trabalha apenas pras mulheres. “Eu disse pra ele, que em algum momento falam pra elas, que elas não podiam fazer. Mas agora elas podem. A gente é capaz, só tem que perder o medo e tentar”, incentiva.

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