Disque-denúncia: eu sei quem matou Matheus Matheusa

Leia o artigo Taquiprati do Diário do Amazonas deste domingo, 13, assinado por José R. Bessa Freire

por José R. Bessa Freire, do Diário do Amazonas

Foto: Matheus Passarelli Simões Vieira

– Alô! Alô! É do Disque-Denúncia? – Positivo e operante!
– Sou professor da UERJ. Tenho informações que podem esclarecer a morte de Matheus Matheusa, de 21 anos, estudante de Artes Visuais na minha universidade, executada no Rio, no Morro do Dezoito, Zona Norte, domingo, 29 de abril.
– O senhor conhecia a vítima? Não precisa se identificar, estamos gravando.
– Não conheci pessoalmente Matheus Passarelli Simões Vieira, era com esse nome que estava matriculado na universidade. Trabalho no 12º andar, na Faculdade de Educação. Theusa, como gostava de ser chamada, circulava no 11º andar. Podemos até ter esbarrado ocasionalmente nos corredores, na cantina, no elevador, na xerox, mas não lembro. No entanto, conheço muito bem a quadrilha a qual pertencem os quatro assassinos. Convivo com eles diariamente.
– Pode falar. Preservamos o anonimato.

O casal assassino

– O nome do chefe da quadrilha é Preconceito. Ele é ignorante, desinformado, perigoso, bolsonaramente burro e truculento e trabalha em parceria com sua mulher, dona Discriminação, com quem teve filhos trigêmeos – o Racismo, a Homofobia e a Intolerância. Todos eles assassinaram Theusa, que realizava tatuagens com a técnica chamada “handpoked” apenas com agulha e tinta, sem máquina, e havia recebido convite para tatuar uma amiga que festejava o aniversário, na Rua Cruz e Souza, no bairro do Encantado. Depois do evento, desapareceu.

– Até aí morreu Neves. A Polícia Civil já está sabendo que o elemento Matheus saiu da festa, caminhou dois quilômetros até o Morro do Dezoito, já surtado, já sem roupa, já falando coisa com coisa, como se estivesse drogado, e que foi assassinado na favela, porque não soube explicar a um “tribunal” o que estava fazendo ali e que fortes indícios revelam que seu corpo foi queimado por traficantes de drogas. Essa informação a delegada Ellen Souto, da Delegacia de Paradeiros, que ouviu moradores, já deu em entrevista ao RJ-TV. Queremos ir além disso.

– É o que estou tentando fazer aqui. Informo que quem presidia tal “tribunal” era o “jurista” Preconceito que está camuflado, presente em todos os lugares, embora quase sempre passe despercebido. Ele despreza tudo aquilo que contraria suas crenças, tudo aquilo que não se enquadre no comportamento por ele considerado “normal”. Odeia o outro que é diferente e chama sua mulher Discriminação para segregar os “anormais”.

Bicha travesti

– Qual a participação dos demais elementos da quadrilha familiar?
– A Homofobia, cão hidrófobo transmissor de raiva, açulada por seus pais, atacou Matheusa, transexual não-binária, que não se identifica com nenhum gênero e transita na fronteira entre o masculino e o feminino, como sua irmã Gabe Passarelli, de 23 anos, batizada como Gabriel. Desde crianças as duas enfrentaram uma tensão “por não se encaixarem no que as pessoas entendem como corpos de menino e de menina” e na adolescência trocaram confidências descobrindo que ambas compartilhavam uma identidade de “bicha travesti”, quando então adotaram um visual com marcas femininas.
– A vítima trocou de sexo?
– Mais do que mudança de sexo, se trata de uma questão de comportamento, de acabar com o “ele” e o “ela”, segundo afirmou Gabe à BBC Brasil. As duas irmãs/irmãos eram militantes e participavam de dois coletivos performáticos LGBTs: o “Seus Putos”, criado na Uerj e o Xica Manicongo, ambos dedicados a questionar os conceitos de gênero e a combater os padrões normativos dominantes. Isso foi o suficiente para atrair o ódio visceral da Homofobia, embora, até então “nunca tivéssemos sofrido agressão física, mas o olhar mata também, a violência verbal, o modo como alguém se aproxima de outro corpo. Sofremos sempre vários tipos de violência” – diz Gabe.

Bicha Preta

– Qual a participação no crime do outro irmão?
– Matheusa gostava de dizer que era uma “bicha preta”. Por isso, foi atacada também pelo Racismo. As duas irmãs negras são filhas de uma frentista e de um despachante de ônibus que trabalha na rodoviária de Rio Bonito, uma cidade do Rio de Janeiro com 55 mil habitantes. Saíram de lá para a capital, onde Gabe cursa Terapia Ocupacional na Universidade Federal (UFRJ) e Theusa conquistou no vestibular de 2015 uma vaga no curso de Artes Visuais da Universidade do Estado (UERJ).
– Mas o elemento não se encontrava drogado quando entrou na favela?
– Segundo Gabe, sua irmã “não se drogou voluntariamente na festa. Isso foi algo que todas as pessoas presentes testemunharam. Podem ter colocado algo na bebida dela, que não tinha um histórico de doença psiquiátrica, nunca foi diagnosticada com surto psiquiátrico. Que ela estava em situação de crise e grande estresse, é fato. Alguma coisa aconteceu na festa, houve algum tipo de gatilho para ela se comportar da maneira relatada”.

Intolerância

– Onde é que entra o quarto assassino na história?
– Seu Disque-Denúncia, os trigêmeos atuam de forma conjunta, a Intolerância é a responsável por tapar os ouvidos de todos para que não escutem a voz do outro. A irmã da vítima não culpa ninguém, nem especula sobre investigações ainda inconclusas da polícia, mas assegura que o assassinato de Theusa pode ter sido motivado por ódio à população LGBT e por racismo, mas muito mais do que isso “é um atentado aos direitos humanos que envolve diferenças de gênero, raça, sexualidade, personalidades”.

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