Ceder ou não à loucura

Estabilidade e crescimento dependem também de superar o clima de campanha permanente, insano e improdutivo, instilado por algoritmos

FONTEPor Muniz Sodré, da Folha de S. Paulo
O professor Muniz Sodré (Foto: Lucas Seixas/Folhapress)

“Não acho que ele [Tarcísio de Freitas] vai ser um cara dentro da loucura que é o bolsonarismo, mas vai ter que ceder muito a ela.”

Nesta avaliação de um deputado sobre as tendências de comportamento do governador paulista frente ao governo federal, há sinais relevantes sobre os rumos da política no Brasil. O parlamentar referia-se ao difícil equilíbrio entre moderação e inclinação à direita radical por parte dos governadores que tentam ampliar o diálogo com Lula sem romper com o bolsonarismo.

A frase deixa mais nítida a dificuldade de se equacionar o tabuleiro das posições políticas. É uma encruzilhada: um lado aponta para um governo eleito contra fortes turbulências golpistas, enquanto o outro oscila entre moderados e ultraconservadores, que flertam com golpismo e persistem na defesa do indefensável, desde o genocídio ao garimpo predatório. Tarcísio busca protagonismo na direita, mas começa a ser queimado por bolsonaristas, insatisfeitos com seu pé no patamar civilizado mínimo.

Daí o alerta sobre adesão compulsória à “loucura”. Esta é sinônimo corrente de bolsonarismo, pois o fenômeno, de difícil compreensão, guarda um potencial epidêmico externo à política propriamente dita. Vale uma licença poética de Khalil M. Gibran: “Eu me tornei louco. E encontrei tanto liberdade como segurança em minha loucura: a liberdade da solidão e a segurança de não ser compreendido, pois aquele que nos compreende escraviza alguma coisa em nós” (em “O Louco”).

Não se trata, claro, da entidade clínica da psicose, mas de loucura oportunista: tanto refúgio como recusa de aceitação de dificuldades objetivas, que podem soar narcisicamente como excessivas. É loucura em que não se vê mundo além de espelho e vitrina.

E nem compromisso humano. Daí a indiferença narcísica dos surfistas em meio à enchente no litoral paulista ou do “empreendedor” do litro de água a 93 reais. Mas sobretudo no fio de ligação entre o ex-mandatário sem empatia com vítimas de tragédias e os moradores do condomínio rico que, insensíveis à contagem dos corpos, agrediam jornalistas, aos gritos de “comunistas”. Não é fio isolado, é parte de uma teia que captura e altera a visão interna dos propensos.

Essa afecção é multiforme. Quando a maior preocupação é o menor engajamento de Lula nas redes ou sua oscilação de popularidade, cabe indagar se não há uma demanda implícita de feed da loucura digital, o capim de engorda do bolsonarismo. Sim, as redes são o pasto da manada, um problema real para a encruzilhada decisória. Mas demagogia não é política econômica. Estabilidade e crescimento dependem de não se ceder à loucura e de superar o clima de campanha permanente, insano e improdutivo, instilado por algoritmos.

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