Em 09 de março de 2009, o presidente dos Estados Unidos Barack Obama suspendeu as restrições ao financiamento público de pesquisas com células-tronco embrionárias impostas pela administração Bush, cumprindo uma promessa de campanha. Células-tronco possuem a capacidade de se converterem em quase todos os tipos de células humanas e, por isso, são alvo de pesquisas com potencial ainda não totalmente compreendido – tratar a doença de Parkinson, devolver movimentos e visão a vítimas de acidentes, curar diabetes…
Agora o órgão que controla os medicamentos por lá liberou nesta sexta (30) o primeiro teste no mundo em humanos de um tratamento derivado de células-tronco embrionárias (obtidas a partir de embriões com menos de uma semana de existência). A empresa Geron irá escolher até dez pacientes com lesão recente na medula espinhal que receberão as células e serão acompanhados por um ano.
Já abordei este tema neste blog várias vezes e não sou um especialista em ciência feito jornalistas como Claudio Ângelo e Marcelo Leite, mas a notícia vale nota e anima não apenas pelo avanço médico que simboliza, mas também por mostrar que estamos conseguindo dar importantes passos contra a ditadura da religião e seu manual de comportamento.
É claro que não sou inocente de achar que a indústria da saúde nos Estados Unidos (talvez a mais selvagem das selvagens indústrias do capitalismo, que ganha bilhões explorando o sofrimento) não lucrará muito com o know-how que será acumulado a partir das portas que se abrem. Como noticiei aqui antes, o próprio Obama, na época, reclamou – básico – que os EUA estavam ficando para trás do ponto de vista técnico-comercial. Mas o uso desse tipo de terapia deve ajudar a reduzir o sofrimento de milhões de pessoas no futuro, ricas e pobres, e portanto, deve ser incentivado.
Por aqui, após um longo debate, o Supremo Tribunal Federal aprovou em maio de 2008 as pesquisas com células-tronco embrionárias, rejeitando uma ação direta de inconstitucionalidade que tentava barrá-las. A votação foi apertada, seis a cinco, com os ministros Carlos Ayres Britto, Ellen Gracie, Carmen Lúcia Antunes Rocha, Joaquim Barbosa, Marco Aurélio Mello e Celso de Mello votando a favor.
Há aqueles que defendem apenas as pesquisas com células-tronco adultas, para evitar o descarte de embriões. Essa linha também é promissora, mas não pode ser a única adotada frente à versatilidade das células células-tronco embrionárias. E vamos sem racionais, pelo amor de Deus! Um grupo de algumas células embrionárias congeladas após terem sido preteridas em um tratamento de fertilização e que seriam lançadas para virar pó em um incinerador não podem ter o mesmo valor de um ser humano nascido. Ou de alguém que perdeu o movimento das pernas. Ou de uma pessoa que é obrigada a injetar insulina todo santo dia. Ou alguém que, religiosamente, teve que alterar sua rotina porque perdeu a visão em um acidente. Se for necessário utilizar essas células para que alguém volte a andar, ouvir e enxergar ou seja curado de uma doença degenerativa fatal, que se faça.
O pior é ter que ouvir que o uso desses embriões é assassinato… A humanidade já deveria ter evoluído para deixar as cruzadas de lado, mas os conservadores (atenção, não estou colocando as igrejas todas no mesmo balaio como muitos dizem que gosto de fazer por aqui – apenas as suas alas mais reacionárias) botam cada vez mais lenha na fogueira de uma guerra santa contra a dignidade do ser humano. Que, ironicamente, é o desejo do Criador de acordo com as diferentes escrituras.
Vale lembrar que, nem bem Bento 16 aterrissou por aqui em 2007, e já foi condenando o aborto, a pesquisa com embriões para obtenção de células-tronco e a eutanásia. “Escolhe, pois, a vida” foi o tema da Campanha da Fraternidade da CNBB em 2008, quando a crítica ao direito ao aborto, às pesquisas com células-tronco embrionárias e à eutanásia foi grande. As Campanhas têm um papel fundamental na vida dos católicos do país e são importantes. Por isso, defendo que haja liberdade plena para qualquer grupo se manifeste como quiser sobre esses temas. Liberdade, contudo, que deve ser estendida a todos. Por isso, vamos aproveitar esse momento para abrir o debate à sociedade a fim de que ela possa fazer suas próprias escolhas e não ser guiada por terceiros.
Ao final, se determinado grupo for contra o uso de células-tronco embrionárias no futuro, sem problema. Oriente seus fiéis a viver (ou morrer) sem utilizar o tratamento e receber seu prêmio em um plano superior. Não tenho certeza se serão ouvidos por muita gente.
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